Fulano

Acordou com um certo ar de alegria,

Dias difíceis, por que o sorrir?

Água gelada, um banho demorado,

Nada de especial havia, dia comum.

Tomou seu café, como de costume,

Preparou o da esposa e das crianças,

Que ainda dormiam,

Beijou um a um,

Antes de ir embora para o trabalho.

Trabalho que por muitos anos tem sido um fardo,

Nasceu para ser livre, criar,

Se sentia engaiolado.

Preso a aparências,

Dentro de um terno engomado,

O salário baixo,

E pressão a todo lado.

Queria largar o emprego,

Fugir,

Ir morar no mato,

Cuidar da horta, galinhas e gado,

Produzir para a família manter,

Final de tarde contemplar o crepúsculo,

E quando a noite cair,

O espetáculo do céu estrelado.

Neste lugar,

Pretendia encontrar Deus.

Nunca O achou em igrejas, templos,

Terreiros, cultos, mesquitas,

Já procurou por todo lado.

Um dia falaram que morava em seu coração,

Quem falou estava enganado.

O mistério que a religião produz,

Ele queria ter desvendado.

Pegou o ônibus como de costume,

Sempre no horário,

Nunca chegou atrasado.

Foi contemplando a paisagem,

Asfalto quente,

Tudo abafado.

Prédios altos, gigantes,

Recorte em concreto,

Moldado.

Pessoas abduzidas,

Sem percepção,

Andando para todo lado.

Desceu do ônibus, correu,

Aproveitou o sinal fechado,

Faltou o ar,

Respirou fundo.

Estava um pouco atordoado.

Bateu o ponto,

Deu bom dia,

A todos que encontrava.

A marmita ainda fria,

Na geladeira botava.

Tinha dias que não comia,

Pois a refeição azedava.

Sentou em sua baia,

Ruminava,

Igual a gado trabalhava,

A ração era o papel,

Que todo dia despachava.

O seu chefe, o sinhozinho,

Cuidava para empresa não faltar nada,

Toda vez que um errava,

O pescoço ameaçava.

"Te transfiro de local",

"Vou mudar seu turno",

"Tem vinte querendo o seu lugar",

"Direitos trabalhistas? Absurdo!"

Justamente neste dia,

Resolveu o chefe enfrentar,

Não suportou a humilhação,

Que viu o amigo passar.

Chamou atenção do chefe,

O colocou em seu lugar,

Ameaça consumada,

Passa lá no RH.

Pegou as coisas e foi embora,

Dignidade em primeiro lugar,

Podia ser mandado para fora,

Mas a empresa, sua vida não podia tirar.

Ia arrumar um outro emprego,

No qual teria prazer em trabalhar,

E produzir por amor,

E satisfação proporcionar.

Se lembrou de sua família,

Como falar isso no lar?

O desespero da esposa,

Tantas contas a pagar.

A pressão da sociedade,

Sempre querendo julgar,

Não faz parte da engrenagem,

Que insiste em explorar.

Vai mendigar com simpatia,

Para um subemprego encontrar,

Mais uma vez o chicote,

Irá ouvir estalar.

Era tanta exploração,

Como ninguém pode notar?

Sentiu um aperto no coração,

E não voltou a respirar.

E o cara que buscava,

Lugar calmo e satisfação para Deus encontrar,

Talvez esteja no céu,

Rezo que em um bom lugar.

"Aqui jaz a incompreensão,

De um homem que quis sonhar,

Não suportou o sistema,

Coração resolveu parar"

Charles Alexandre
Enviado por Charles Alexandre em 01/12/2020
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