versos e perversos

Provocado, busco a palavra

palavra que seja minha, mas também de muitos:

punge a necessidade de tentar exprimir

de trazer à tona da linguagem esse monstro voraz

esse impressionante vagalhão

- que em mim apenas respinga, e já tanto fere

essa malévola imensa onda que tantos afetos arrasta

que a tantos viveres e amores afoga

há quantos tempos e em quantos ataques derrubando vidas

em nome de falsos deuses e crenças

de equívocos valores que são só espuma

que são só cena, bruma, desamor...

E a encontro - a palavra: perversidade.

Perverter é deturpar, desnaturar

e assim é também depreciar, humilhar, diminuir

- literalmente pôr de lado, apartar - per-verter.

O perverso é cruel, ferino, impiedoso

desumano em conceito - violento em essência.

É ele o verdadeiro e único pervertido

que, esquecido de ser humano,

separa, discrimina, desagrega.

A perversidade destrói, corrói, sufoca

e ecoa em seus alvos

neles despertando seculares sacerdotes internos

nunca mortos de fato

sempre prontos a replicarem a dor em fantasmagóricas culpas:

sentir-se errado por ser-se o que se é

sentir-se criminoso por amar

sentir-se mal, como se perverso fosse.

Quantos silêncios, recuos, contenções

quantos medos de surra

quantos espancamentos de corpo e de alma.

Esses os polos que de fato importam, os que realmente existem:

os versos e os perversos

os perversos e os avessos

que são direitos, que têm direitos.

Corre-se o risco de crer que perversidade de fato não há:

que ela não é, não existe, é crença, fantasia, exagero.

Até que se a sofra

que se sinta na pele seu toque maligno, paralisante e feroz

a tentar desprender da diferença o afeto

a pregar o abandono, a repulsa, a recusa

aferrada apenas ao conceito que não é, porque é pré.

A perversidade existe.

Mas ela é só do perverso

só dele

não de quem somente vive e tenta ser

não de quem do perverso é só alvo

não de quem não é perverso.

Viver hoje é também resistir à perversão da perversidade

é rejeitar os pervertidos preconceitos

é não se deixar ser perverso por acidente

e recusar veementes os vis abandonos e ataques à diferença

que pulsa, vibra e ama.