Indiferente
O mundo binário é pequeno para nós.
Nem sempre somos sim ou não.
Dizendo-se “eu quero ter”, excluído fica o “eu não quero ter”.
O “eu não quero ter” deixa rejeitado o “eu quero ter”.
Um escopo restrito demais!
Afirmações fortes, incutidas do poder do verbo “querer”,
Definiram os pontos opostos e complementares
Do mundo de uma lógica dicotômica.
O indiferente não fora convidado para o baile do sim e do não.
Ah, mas quando foi que o indiferente aprendera regras de etiqueta?
És um pobre, indiferente! Condenado ao exílio dos sem meta.
Pois sofres da maldita patologia de dar luz a uma terceira opção.
Agora exilado estás, vivendo no primórdio daquilo que fora criado.
Ao pronunciares a palavra “quero”, reivindicou-lhe todo seu poder!
Indiferente deixou de ser então.
Mas vejas tu: outros vem sobre seu rastro!
Sua própria festividade podes começar a planejar.
Nem homens nem mulheres souberam mais naquele escopo morar.
Rompidas suas cercas, criaram também terceiras opções.
O indiferente, promovido a rei de um domínio novo,
Tornou-se ele mesmo somente mais uma opção.
Homem ou mulher não mais “sim” ou “não” o são.
Não fazer escolhas também é uma escolha.
A mais fácil de todas, talvez.
Mas a mais perigosa de todas também!
Do futuro não podes fugir, indiferente.
Se não escolhes tu, escolherá ele para ti, aquele tirano.
Flertas com a sorte, aquela infiel.
Segues nas cumeeiras em meandros sobre o abismo.
No lado em que um dia cair, terás que ali aprender a viver.
Eis o desafio do indiferente: preparar-se para as possibilidades.
Eis a vantagem do indiferente: proteger-se de frustrações.
E eis um grande risco para o indiferente: estar perdido.
Não surpreendemo-nos se acaso perdido estiveres.
Estivemos um dia todos nós!
Binário não é o mundo das decisões, plana não é sua topografia.
Mas vamos ajudar-te a te conheceres melhor.
Se assim desejares, sabes tu onde nos encontrar.
P.S.:
Depois disso, o binário fora destruído.
Sim e não, esmagados em amálgama, esconderam-se de nós.
Sobreviventes, tentamos agora vasculhar o gradiente de respostas possíveis.
Responda somente com sim ou não, ouvimos dizer. Mas acrescentamos:
Pode ser um sim mais forte que outro, um não mais fraco que outro,
um sim com uma réstia de não e vice-versa.
1 – Com 60 anos com filhos eu me sentiria bem?
2 – Com 60 anos sem filhos eu me sentiria bem?
A – Com 60 anos com filhos eu me sentiria mal?
B – Com 60 anos sem filhos eu me sentiria mal?
O mundo binário é pequeno para nós, mas é um ponto de partida.
Breno Faria, Belo Horizonte
Agradável noite de domingo de carnaval, 2022