Primavera

Vou desarrumando a língua,

A casa e os lençóis.

Desarrumo os livros, a cristaleira

E balanço a murta.

Vou sujando tudo com felpas

De palavras senso baixo.

Atiro punhados de letras

Para todos os lados.

Também espalho os canteiros

Estrago as nuvens.

Passo o dedo na água

E deito os porta-retratos.

Chuto a areia que está há séculos na calçada

Atiro garrafas no chão da sala

E espalho os cacos

Na fundura de mim.

Faço um terremoto

Derrubo todos os quadros

Sopro farinha na cama

E derramo sopa nos cadernos.

Eu sou a desordem e o caos

Sou a namoradeira debruçada na janela

Cujos olhos estão rabiscados

E quais braços empalideceram.

Construo uma montanha de entulhos

Espalho a espuma das almofadas

E coroo tudo com meu corpo

Fico vaga na primavera.