Gato

Tem gente que levanta antes do sol despontar

Prepara aquele café amargo - ou, você quem sabe, adocicado

E vai pra rua guerrear.

Matar um leão ou talvez dois

Voltar no fim do dia e sorrir pros filhos

Ainda consternada com o depois

E com a vida que perdeu no rumo dos trilhos

E no oposto, tem gente fica na cama até na hora do almoço

Mas isso não quer dizer que não tenham algo sufocado no travesseiro molhado.

O leão é o próprio sujeito; é o maior de seus demônios. O leão o espera na beira da cama, na sombra dos móveis - como um encosto- na garganta da rua que o leva pro mundo e seus desaforos.

Enfim: é matar ou ser morto.

Tem outras portas e janelas nessas manhãs, também, não me esqueço:

Gente indo à missa e gente voltando do puteiro

Gente se arrastando pelas calçadas e gente assobiando melodias

Crianças dormindo sob os olhos do semáforo; a empresa onde o pai trabalha

E o sujeito que no carro prateado ao lado as encara: com medo, com nojo, com pena e agonia.

Tem gente que vê o fim disso numa caixa de remédio

No sexo

Numa garrafa vazia

Numa religião agressiva

Numa guerra infinita

Mas o jeito mesmo é dominar esse leão e fazer dele um gato de rua.