O abuso

Os cobertores do céu quiseram expulsar a solidão.
Coração partido tornou-se um clichê pouco atraente.
As migalhas eram de vidro e retalharam a pureza.
Um espelho quebrou-se em milhares de pedaços.

Mãos pesadas, sorriso complacente e nada de remorso.
Ninguém poderia salvá-la, ninguém os viu.
O forro de nuvens encobria o denso precipício.
Que sabor apetitoso pode ter a ilusão.

Ele falava mansamente, ouvia música bem baixinho,
Estava e continua estando acima de qualquer suspeita.
Até nome de príncipe tinha, o grande curandeiro,
Vangloriado da honra da qual demonstrou ser carente.

Era manhã ainda e o beijo tinha gosto de trevas.
Venturas de ser algo parecido com amor,
Quando era pulsante a energia a movê-lo dentro dela
Com a sutil violência de uma criatura soberba.

O corpo imóvel era a retaliação.
Ela nunca seria dele porque o que se fazia ali não era amor.
Era ódio.
Do botão de rosa, apenas espinhos recontam a trama.

Ninguém jamais poderia saber, era segredo.
Até ser poesia com gosto de estrume, foi culpa.
Aquela insônia, ao contrário das outras,
produzia angústia e confusão, nunca sonhos.

Pavios tortos aliviam o medo da escuridão.
Cada trecho revela o intento escondido,
sem pressa o passo recupera o perdido vigor.

A aposta mais certa é a de que se pode perder tudo,
Mas a esperança precisa se abrigar na alma,
Colar no pensamento, sentir a maciez do travesseiro,
Falar mais alto que todas as contrariedades,
Nunca permitir que deixe para trás a integridade.

Os sinos dobram por mais esta sonhadora,
Essa criança grande que perdeu o brio por causa da culpa.
Ele pode tê-la desonrado, calando-a pela força,
Mas semeou atrocidade e não colherá misericórdia.

07/05/2016

***********************

Nem todos os opostos se atraem quando o cupido se distrai.
A perspectiva de um em um milhão apaga o pavio.
Não há esperança de acerto no que começa errado.

A fragrância tentadora da atração representava perigo.
Os falsos afagos, a extensa bondade, a preocupação.
Fazia parte do plano fingir que se importava comigo.
O parco cavalheirismo desfez-se na teia da presunção.

Na saliva do demônio uma gotinha de falso amor.
Até a demasiada religiosidade e discrição não convencia.
Ele se encaixava no protótipo da hipocrisia.
Falando, ouvia apenas a própria voz, ele só pensava em si.
De olho na marca indiscreta na calça, brincando com o celular.

As pesadas e descontroladas mãos a tomarem posse
Da candura que tanto o chamou atenção.
Cabia numa ejaculação toda a honra vaidosa dele.

Não era consentimento, não era culpa do meu vestido,
Mesmo que estivesse a um palmo da coxa,
Ele se esqueceu de que a última palavra era minha.

Um boneco de marionete dirigido com sadismo na intenção.
Quem eu costumava ser jamais aprovou aquilo que me tornei.
O retrato mais fidedigno da extrema submissão.

Ele queria tudo do seu jeito, meu não era seu sim.
Com frio e medo, disse que não estava pronta.
Ele fez pouco caso e seguiu em frente mesmo assim.
A dor física se materializou no meu rendido silêncio.
Chorei por dentro sem demonstrar qualquer fraqueza.

Ele era o dono do jogo e eu apenas uma peça.
A manipulação confundiu minhas memórias,
Trilhando por caminhos desconhecidos, berrei para o nada.
Do meu rosto correm lágrimas todas as noites,
Quando todo amor do mundo não alivia a culpa.

Estou no mesmo lugar, mas não sou mais a mesma.
Ele me matou por dentro, um minuto de silêncio.
Ninguém chorou por mim porque não deixei ninguém saber
Que se eu mudei tão de repente foi porque me perdi.

Meu coração não foi o único partido nessa história.
Diante do precipício ele me viu chorar e não me deu a mão,
Porque nunca poderia dar nem sua alma nem seu coração.
Em comparação com aquele peito a frieza é quente,
Ele fez com que eu me sentisse suja e má,
Julgando, pretensioso, estar certo, eu sempre errada.
Ele nunca fez questão de ficar, mas não quis me deixar ir.

Então meu coração vazio reordenou as estações,
A ilusão não valeu um verso, lecionou com rigor,
Ele foi apenas um sonho ruim, não o protótipo do amor.

24/05/2016

************************

São poemas polêmicos, mas não vou me calar, vou postá-los porque sei que existem outras mulheres/meninas que passaram pela mesma coisa ou até pior e é para elas o meu recado: não estamos sozinhas!
Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 28/05/2016
Reeditado em 01/05/2018
Código do texto: T5649913
Classificação de conteúdo: seguro