Cena da cidade grande
Longe, vêem-se as luzes.
Longe, ouve-se a sereia.
Detrás da ambulância que serpenteia.
Deus, somente és Tu quem os conduz!
Sete motoqueiros e a garoa fina,
Sete faróis,
Sete buzinas,
Abrem caminho no asfalto.
Não menos que o relance do desatino,
No chão jaz o homem,
Às vezes ainda menino,
Provoca o atraso,
Muito mais que o sobressalto.
Não dê seta,
Nem mesmo à esquerda.
Não cruze a faixa,
Aceite a perda.
Porque eles vêm de lá.
Cortam entre segundas e primeiras,
Detrás da ambulância que serpenteia,
Dentro, é a desesperança moribunda.
Porque eles vêm de lá.
A entrega é célere.
A pizza é quente e célebre.
O cortejo é lúgubre.
Vê-se dentro.
Encerrado entre vidros e filmes,
Parado sobre as rodas do tédio.
O câmbio automático,
Não mais que um remédio,
Alivia, consola, redime.
Vê-se dentro.
O rádio cintila lá dentro,
Em luzes, a canção primeva e triste.
De inveja, o verdugo vê lá fora e persiste.
Finge desassombro e insiste
Que não inveja a vida,
Mas a liberdade e o tempo.