Onde é o meu lugar?

Às vezes me pergunto

Para onde ir

Na mesma hora, mudo de assunto

Tento abstrair,

Isso não é fácil de digerir

Sou o filho do meio

Sim, tenho dois irmãos

Mas não compreendes

Não é desse jeito...

Sou o mais velho,

Sou o filho que ficou ao meio

Aquele cujos pais se separaram

E novas famílias formaram.

Por mais que digam

Que tenho duas casas

Na verdade, não tenho nada

Minhas coisas estão espalhadas

Nos quartos dos meus irmãos

Onde passo temporadas

Meus pais têm a tal guarda compartilhada.

Naqueles espaços,

Não tenho morada.

Na minha mãe, o quarto é rosa

Com princesa à parede pintada

Minhas coisas espalhadas

Em um roupeiro em formato de castelo

Minha cama coberta

Por um endredon de fada

Nada possuem a minha cara.

Mamãe diz que sou compreensivo, um amor

Sinto-me daquela família

O excluído, o sofredor.

No papai é um pouco pior,

O quarto em que vivo é de bebê,

Minha cama é a da babá

Que por falta de grana

Ainda não há.

Mas não pense que é a cama oficial,

Durmo numa espécie de gaveta

Para manter sempre a organização original.

Papai diz que estou um rapagão.

_ Querida, ele entende que isso é normal.

O que seria "normal"?

Se estou no papai,

No quarto não posso ficar.

_ Olha o barulho! O bebê vai acordar.

Eu tinha prova de Matemática,

Só queria estudar...

Com o barulho da casa,

Não consigo me concentrar,

Mais um zero para conta

Que não conseguirei explicar.

Na verdade, nem quero tentar.

Certa vez, eu tentei

Ele mandou eu me calar

Que pedisse desculpas a minha madrasta,

A única dona do lar.

E de castigo de novo

Aquela temporada estive a ficar.

Na mamãe, eu tenho até um pouco de carinho

Mas ela não esconde como está feliz:

_ Hoje tenho a família que eu sempre quis.

Entretanto no retrato na parede, não estou ali.

Lá eu até consigo estudar

Ela instituiu a hora do sono

Para minha irmã cochilar

Tenho sempre meia-hora

Para as tarefas terminar

E meu material esconder.

Na última vez, meu livro

A pequena desfolhou, rasgou tudo,

Foi um horror.

O castigo para quem sobrou?

Para mim, que o material não guardou.

Eu estava estudando,

Ela ainda dormia,

Fui água beber

Quem diria que ela seria tão rápida...

Tentei desfazer o engano,

Consegui a proeza de um ano de castigo ficar.

Além de ficar na mamãe,

Chegando ao papai a surpresa

Estava de castigo lá também...

Que beleza!

Para aprender o dinheiro não extraviar.

_ Nem adianta argumentar,

Meu dinheiro é suado,

Isso barato não sairá.

Queria que um dia o amor

Fosse dobrado como o castigo

Eu não me sentisse mais

O filho postiço,

Agregregado, perdido

Não querido, não amado

Aquele que por quem os pais

Só tem compromisso,

O amor ficou comprometido,

Incapazes de enxergar

Como estou ferido.

Assim estou crescendo,

Em casas sempre cheias

Todavia tendo a solidão

Como a minha única amiga e companheira

A quem falo deste vazio

Que carrego em mim,

Sentimento que parece nunca terá fim.

Não sei mais o que esperar...

No banho, sempre estou a chorar

Banheiro lugar melhor não há,

Finalmente sozinho consigo estar

Fico imaginando o que aconteceu

Na separação da nossa família

Só quem perdeu fui eu

E até agora ninguém percebeu

Que me sinto como um móvel usado

Que caiu da mudança,

Diante de uma bifurcação:

De um lado "casa do papai",

Do outro "casa da mamãe".

Mas dali não me tiram...

Ora cada um me leva

Para o seu espaço,

Porém logo me devolvem

E eu volto à mesma condição...

Entendeu agora?

Um filho ao meio do caminho...

O filho do meio:

Este sou eu.

Mari Velasco
Enviado por Mari Velasco em 28/08/2022
Reeditado em 28/08/2022
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