Insistente

“Posso sair?”,

Perguntei.

Como quem não quer nada,

Para comprar pão na esquina;

Pegar um ar, sabe?

Mas ele tinha seus medos,

Tinhas suas formas de me prender,

Tinha suas manhas.

“E se acontecer algo de ruim?”,

Ele disse.

Sempre entre dentes, quase tremendo de raiva.

Pelo menos ele não gritou, pensei;

Costumava ser bem pior.

“E o que poderia acontecer de ruim?”,

Perguntei.

Ele não respondeu,

Ficou me encarando.

Os olhos grandes, quase maiores que a barriga.

Maldita seja a fome da raiva.

Torci para que não tentassem arrancar partes de mim;

Do jeito que estavam, me engoliriam com uma só mordida,

Ou uma só olhada.

Espera...

Acho que me perdi na metáfora;

Vou voltar de onde paramos.

Ele respirou fundo,

Eu fiz o mesmo, por via das dúvidas;

Nunca confiei nele, mas ele nunca errou em continuar respirando.

Puxei o ar com força.

Como sempre, ficava difícil de puxar o ar quando ele também o fazia,

Como se quisesse pegar tudo para si.

Filho da mãe egoísta!

Até no respirar ele me tomava tudo.

“E se acontecer algo de ruim?”,

Ele repetiu.

Que insistência, eu pensei;

“O que poderia acontecer de ruim?”.

Perguntei,

Quase gritando.

A raiva vinda a mim quase na mesma medida,

Mas tímida,

Ressentida.

“Não vou ser atropelado indo até a esquina,

Nem ser espancado pela velhinha do mercado”;

Ela era gente boa,

Eu tinha confirmado os antecedentes;

Só para ter certeza.

Mas aí já era tarde;

E se acontecer algo de ruim?

E se eu for atropelado?

E se a velhinha estiver de mau humor?

E se o doguinho da esquina me olhar torto?

Agarrei a paranoia com a mão cheia e enfiei na boca.

Gosto estranho o da paranoia, né?

Meio amargo, agridoce até.

“E se algo acontecer de ruim?”.

Esse aí já era eu mesmo,

Ele não precisava dizer mais nada.

A paranoia dele era paranoia minha.

Ele gostava de fazer isso,

Era divertido;

Pelo menos eu acho,

Ele mesmo nunca confirmou,

Mas dava para ver no sorriso torto.

Ele ganhou;

E como eu odiava quando ele ganhava.

“Mas e se algo acontecer de ruim?”.

Mas nunca aconteceu nada de ruim,

Eu tentei argumentar;

Só em pensamento, é claro.

Estava tremendo demais para falar qualquer coisa.

Eu e o pinscher da esquina éramos irmãos agora.

Vai que dá certo dessa vez,

Eu tentei;

E não deu.

Nunca aconteceu nada de ruim,

Mas até aí

Ele nunca me deixou sair, né?

Insistente como era,

Vai que acontece algo de ruim...

André André
Enviado por André André em 09/11/2022
Código do texto: T7646260
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