Meio fio
Gado no abatedouro
Imigrantes no oceano
Morte e desengano
A sustentar desigualdades
Água que inebria
E brilha aos olhos de quem foge
Foge da guerra
Da fome
Da miséria
Vento que leva sementes
De vida
E de desalento
Quando eu sem furor
Arranca tudo onde passa
Terra que gera vida
E cobre o fenecer
Bonecas de cabeças arrancadas
E inocência transgredidas
Canto de encanto
Da sereia
Da imaginação
Das lutas
E feridas
Desilusão
Mendigo que grita de dor
Por não ter o que defecar
Pois alimento algum seu estômago viu
Inquilino da rua
Em leito de papelão
Frio e chuva
Paredes de um quarto
Repletos de janelas
De olhos que o vê
Mas não o enxerga
Meio fio
Da saúde
Da doença
Da segurança
E do perigo
De viver
E morrer
Nos limiares
Presentes
Na ausência.
Ana Lu Portes, 3 de outubro 2023