O Monstro

(Aviso aos navegantes: esse é um poema na contra-mão do consenso de washington)

Os que aqui chegaram há tantos anos

Buscando o que não tinham de onde vinham

Nem mais esperanças sequer traziam

Vieram construir um visão de mundo e destruir

Longe, mas ungidos pelo Papa e o Império

Como bons religiosos, enforcaram, assassinaram,

Amealharam o que puderam de pedras e metais

Para enriquecer, prostituíram, roubaram, escravizaram.

Ainda hoje, de longe e de perto até aqui vêm

Eles vêm aos milhares submeter a natureza, destruir a floresta.

Já não temos laços com uma coroa, há muito se romperam

Ocupamos o cerrado e a floresta e a vamos destruindo

substituindo as árvores pelo capim, o manejo pela erosão

Enquanto assim constroem, roubam e continuam matando.

Construindo sobre escombros e corrupção esse nosso chão

Iniciada a nação com o massacre dos gentios, do africano escravizado.

Nós sorrimos displicentes e abanamos as cabeças.

E a todos cedemos nossas riquezas, nossas crianças

Para demonstrar nosso espírito e nossa gentileza.

O azul e o verde são sujados, a diferença pisoteada

Chutadas como a um cachorro enlouquecido

Essa guerra nunca acabou, o poço d’água está cercado

Uns poucos acima de nós ela amontoou.

Eles empinaram o nariz, erguendo sabres e fuzis.

Estão nas salas em todos os quadros

Outros já acenam nos cais lenços brancos aos navios

Estão nas paredes e nas ruas empalhados,

Estão há séculos nos comandos empilhados

O passado tem muito essa cota de injustiça

De gente de espírito não muito bondoso

De protetores e amigos de seus sonhos de muito além

Agora há no chão um monstro à solta, não te quer obedecer.

E no mar uma quarta ronda que ninguém vai combater

Ordem e progresso cobram os guardiões da iniqüidade.

Parecem até generosos, bondosos, bem intencionados

Não conseguem sê-lo, mais que o queiram,

Tal ordem e tal progresso têm outros donos verdadeiros

Quem mantêm a exploração iniciada na colonização

Também empinaram o nariz, erguendo sabres e fuzis.

Estão nas salas em todos os quadros

Estão nas paredes e nas ruas empalhados,

Estão há séculos nos comandos empilhados

Eles tagarelam sobre lei e ordem até global

Mas é tudo só um eco do que sempre foi dito

O monstro à solta trocou o porrete pelo foguete

Amarrou nossas cabeças pela tevê e te diverte

Assistimos as cidades se tornarem selva

Impera enquanto o arco dourado e as duas cocas

E a corrupção como sempre encanta os idiotas

A polícia vigia a propriedade e a ordem, e arranca vidas

E o povo se desentende por representação,

Não quer saber como cuidar ele mesmo de si próprio

Nesse exato momento há também uma guerra aqui

Não importa quem a vença, nós a estamos perdendo

Se não somos os bandidos e a polícia mata crianças

Nós não podemos pagar esse preço de deixar o monstro à solta

Ele tem nossas cabeças amarradas, e vamos ficar assistindo

Onde estão todos os indignados agora?

Todos que se importam com crianças assassinadas?

Todos que querem o fim da exploração imposta?

Não podemos lutar só uns poucos contra um monstro assim

Os verdadeiros donos estão logo ali nos navios às nossas costas

Precisamos de nós todos exatamente nessa hora.

(A propósito do artigo Escopeta não é chocalho, de José Luís Fiore, e da canção The Monster, de Steppenwolff, esta de 1968 quando as bestas estava com as patas no vietnã, com uma bazuka na mão e merda na cabeça).