Uma história
Nasceu no interior do sertão
Uma menina franzina, morena
Com os olhos verdes...
Seu pai, que nada entendia de ciência
Mas era muito ciente da vida
Chamou-a Esperança.
A menina crescia em idade
Mas permanecia pequenina
Reflexo da fome que sentia,
Da sede que enfrentava;
Seus irmãos morriam
Ela lutava.
Um dia, um desses programas dominicais
Em suas reportagens moralizantes
Encontrou a menina
(Já de seus doze anos)
Na casinha em que vivia
(Vivia?)
Antevendo a emoção que causaria
O infeliz trocadilho com o nome da menina
Exploraram sua imagem, sua condição
Transmitiram sua carinha frágil para todo o país
E seus olhos, fascinantes olhos opacos e verdes
Sensibilizaram empresários quaisquer.
A menina foi levada à cidade grande
Onde recebeu brinquedos, roupas e cestas de comida,
Ganharam um lar decente na grande cidade,
Uma escola para a menina,
Um trabalho para o pai,
Seus pais, fracos de felicidade, choravam,
Poderiam enfim sustentar o recém-nascido...
Eis que numa tarde, de volta ao anonimato,
A menina, em seu aniversário de treze anos,
Não volta de sua escola
Os pais, desesperados, procuram a emissora de TV
Seqüestro? Fuga? O caso mobiliza o país
"Onde foi parar Esperança?"
Seu rostinho, seus olhos de mar
Aparecem em cartazes, jornais, noticiários,
Grupos criminosos diferentes ligam exigindo resgate
Mas nada de prova de vida...
Cadê a menina?
Agora, caro leitor, apresento-lhe a verdade:
A pobre menina, indo para sua casa,
Foi encurralada por um grupo de rapazes violentos
Atraídos, possivelmente, pelo bom nome da escola
Estampado em seu uniforme
A pobre, cercada no meio de uma ponte de concreto,
Nada poderia fazer
Os rapazes, alterados, exigiram-lhe os tênis,
O relógio,
A mochila,
O dinheiro,
E mais, muito mais...
Ela deu-lhes o tênis, o relógio, a mochila e o dinheiro
Mas, por Deus, que não lhe exigissem mais!
Virou-se e correu, achando uma brecha entre dois criminosos,
Um tiro varou o ar parado e frio do fim de tarde
Expirara a última que morre
Vencido, seu corpo inerte caiu da ponte
E mergulhou nas águas escuras para nunca mais.
Uma risada seca... um palavrão...
Sua elegia.
Naquele mesmo momento, a milhares de quilômetros dali,
Nascia uma menina de olhos verdes...