Se a escola tivesse me visto como artista...

Sempre estudei em escola pública
E quando lá cheguei
Tinha dez anos de idade
Mas já lia com fluência
Havia aprendido
Simplesmente vendo meu pai
Manusear os livros do seu MOBRAL
Um programa de alfabetização para adultos
Mas, meu pai, antes de ingressar para a escola
Também já sabia ler... E lia tudo...
E assim como eu, não aprendera na escola
Ele sempre nos falava que aprendera com uma prima
A qual veio da Paraíba e passou um mês em sua casa
Nessa época, quase todos da família
Aprenderam a ler com ela
Que os ensinou em papel amarelado
Na mesa grande da casa do vovô
Nesse período que passou com eles
Papai também nos falava que ela lia versos
Lindos versos!
E até hoje lembro, ele nos recitando
Alguns desses versos
E isso, é o que hoje chamamos de literatura de cordel
Portanto, foi assim, que cheguei na escola
Lendo... Lendo tudo que encontrava pela frente
E por estar desse jeito
Passei do primeiro para o 3º ano
Mas ainda diziam
Que eu era adiantada perante a turma
E por isso, não passei pelo sofrimento
Da palmatória, nem dos castigos
Que eram aplicados a quem não sabia dar a lição
E talvez seja esse o motivo principal
Que me fez amar desde sempre a escola
Mesmo a achando muito chata
Pois tudo que lá se ensinava
Geralmente eu já sabia
Porque tinha lido todos os livros nordeste
Usados naquela época
Bem como, as cartilhas dos meus colegas
E muitos outros livros que pegava na biblioteca
Mas, mesmo essa escola que aprendi amar
Apesar de viver a me elogiar
Não viu, nem sequer suspeitou
Da minha alma artista
E durante a aula, eu espremia dentro de mim
Essa força inevitável, que não me deixava parada
Mas como tinha que ficar calada e imóvel
Eu conseguia paralisar meu corpo
E agitar a mil meu pensamento
Só dessa forma, conseguia ficar “quieta”
E nem por tanto tempo
Era comum, professores e professoras
Reclamar comigo porque estava conversando
Ou sentada de mal jeito
Ou desenhando, escrevendo etc
Da escola, o que era fantástico para mim
Eram as dramatizações
As aulas de artes
Os ensaios para o desfile de sete de setembro
As professoras Marta, Auxiliadora e Luciene
Que sempre trabalhavam alguma atividades
Ligadas ao mundo artístico
Mas mesmo essas,
Não conseguiram me ver como artista
E ninguém teve culpa
Apenas não puderam me enxergar
Na plenitude do meu desejo
E nem eu mesma, sabia que era assim
Embora, sentisse as vibrações e inquietações
Que me levavam para fora daquele mundo
Mesmo estando o meu corpo imóvel dentro dele
Mas a escola só pode ver em mim
O que era concreto,ou seja, palpável e ouvido
O colorido e a leveza da minha sensível alma
Ninguém viu...
E muitas vezes eu chorei... Chorei muito
Nessas horas, fui sempre acalentada
Por alguns colegas e todos os professores
Que talvez pensassem
Que eu estivesse com fome,
Ou chateada com alguém
Pois tinha um grupo que me invejava
Fazendo-me muitas malvadezas
E as vezes, era isso mesmo
Mas na maioria desses momentos
Era uma tristeza que me abatia
Uma inexplicável tristeza
E hoje acredito
Que me faltava nesta amada escola
O espaço pra abrigar o meu eu artístico
Mas, mesmo espremida e escondida
Uma alma artista não morre nunca
E um dia sairá do seu casulo
Assim,demorei quarenta anos
Para enfim, me libertar por completo
Pois, nem mesmo a universidade
Conseguiu me ver como artista
Me descobri enquanto ensinava
E tive medo dessa descoberta
Mas justo na adolescência dos meus filhos
Período de grandes tribulações na minha vida
Eu dei meu primeiro vôo para a liberdade
Liberdade de escrever ou mostrar meus talentos
Porque Deus, me presenteou com múltiplos talentos
Tantos... que não consigo entender o por que?
Mas sei que devo eternamente agradecer
E hoje, queria muito poder dizer
Que foi a escola quem me descobriu
Mas não posso!
Apesar de amar todas por onde passei
Preciso dizer que até hoje
Quem é artista, ainda não encontra
Um lugar para se expressar livremente na escola
Porque na maioria, se considera a arte
Como tempo perdido ou bagunça
E diante dessa falta de sensibilidade
Nos resta esperar que as escolas da vida
Abram espaços para os artistas de alma
Poderem enfim trabalharem seus talentos.
Ah, se a minha escola tivesse me visto!
***
Maria de Fátima Alves de Carvalho
Poetisa da Caatinga
Natal,13.05.09

Texto dedicado a:
Escola Estadual  Cid Rosado / Encanto/ RN
Universidade Estadual do RN/ UERN - Pau dos Ferros
E outras escolas por onde algum dia passei...
Imagem do Google

















































 
Maria de Fátima Alves de Carvalho
Enviado por Maria de Fátima Alves de Carvalho em 13/05/2009
Reeditado em 31/08/2020
Código do texto: T1592842
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.