* EFÍGIE

o cão, o bruxo, a fada

o amante e a amada

sou assim:

o pedaço que restou

do que não foi partido

sou o silêncio e o grito

de alguém que não existe

sou a pedra de tropeço

num caminho imaginário

sou o ante, sou o bi(o)

dessa ótica sem lógica

sou o óbvio

cicuta, cigarro, seringa

quero vida

sou o vinho envenenado

que o suicida não bebeu

sou mais eu

o poeta e o pecador

a nota erudita

que alguém jamais tocou

sou a via e a sacra

o filho branco de Xangô

o boêmio e a nostalgia

sou malandro brasileiro

de barriga vazia

sou a prosa e o verso

o inverso do avesso

a lisura no Congresso

candidato a burguês

num país subdesenvolvido

não tenho partido

estou partido e me divido

sou a esquerda da direita

do que estava no meio

o empregado e o patrão

o rebelde e a justiça

a banda podre do poder

a cobiça

o bandido e a polícia

a mentira provisória

o conchavo social

a usura e a esmola

a platéia e o cenário

sou um mágico convicto

sobrevivo com um salário

sou o lúcido anormal

sou banal, bestial...

somos todos iguais

sou mito e não estrela

sou a efígie de um povo

brava gente brasileira!

*publicado em "REVERSO" livro do autor.

João Nery Pestana
Enviado por João Nery Pestana em 21/05/2006
Código do texto: T160190