“Boneco desgraçado”
NOTA:
Escrevi este poema em 1995, me referindo vagamente ao episódio insólito ocorrido no dia 12 de outubro daquele ano (Dia de N. Sa. Aparecida): o pastor Von Helde (depois promovido a bispo), da Igreja Universal do Reino de Deus, injuria uma imagem de Nossa Senhora em programa de TV.
A princípio, tentei não colocar minha opinião – apenas escrever por livre-associação e ver no que daria...
É um poema antigo e tem lá seus pequenos erros; talvez soe um tanto datado nas referências. Mas servirá para alguma coisa!
A Von Helde, bispo, e aos fundamentalistas
em geral.
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Dá o pé, Loro,
conta mais uma vez aquela velha piada.
Amaciantes que deixam a roupa suave
como uma lixa,
relógios sempre atrasados
ou adiantados,
cometas Halley sem cauda,
eclipses totais mais ensolarados
que Cancun...
Seu beijo padrão Globo...
Seus dentes brancos e sensíveis...
Entre rádios populares que só tocam pagode
e rádios universitárias que só tocam blues
não sei o que fazer...
Entre jornais que mostram apenas o que todos já sabem
e escrituras sagradas que são uma caótica e irregular
coletânea de mitologia hebraica
não sei o que fazer...
Entre espaçonaves e guerrilhas
e Caetano Veloso numa fotomontagem
com Michael Stipe
sei que vou deixar de perguntar o que fazer
e respirar um pouco.
Não, não posso orientar ninguém.
Posso apenas dar e receber carinho.
Reintegrar-me em situações.
Mas... onde você se meteu?
Eu faltei no trabalho para estudar,
você não fez a prova por causa do serão.
Já ouvi essa história antes,
sei o fim do filme
e não quero me conformar.
Precisamos conversar,
precisamos transar,
mas esta noite São Pedro
teve outros planos.
Antes tivéssemos um...
Desligue a TV,
não contribua com a ignorância.
Não nos encontramos;
um muro imenso nos separa:
chame Roger Waters e aprenda a viver...
ou a se drogar demais e se separar definitivamente;
meu Deus!
Dá o pé, Loro,
conta aquela velha piada mais uma vez.
Grandes glúteos padrão SBT,
um babaca cantando para você.
E os dias especiais...
Nunca nos encontramos,
eu não encontro você em sua casa
ou na sua escola,
nem com sua prima esquálida
ou sua tia gorda,
nem dentro do meu coração...
Agora é apenas UM amor,
na voz de um roqueiro irlandês católico
de fé vacilante.
Apenas UM amor,
no fundamentalismo islâmico
ou cristão.
Atire a primeira pedra
quem estiver sem,
mas sei que os meus pecados não ferem alguém,
como o faz a sua fé
– sim, isto é com você!
Mas quem é você, afinal?
Nada muito especial.
E não leve tão a sério meus massacres.
Dá o pé, Loro,
conta pra mim o final do livro.
Fale mais alto
outra piada que fale da gente.
Só o ódio constrói,
só o ódio LHE constrói.
As luas novas que não vejo,
as luas cheias encobertas,
as luas azuis às quais ninguém mais dá atenção;
ah! faça-me crer,
faça-me rir
a todo custo.
Loro, Loro Curupaco, me diz
por que é sempre assim.
Tentando entender,
me despedaço em multidões...
Ainda, ainda hoje e sempre,
caímos dominós dominados,
a criança admira
o suor no uniforme dos soldados
e o boneco desgraçado vem nos abençoar.
Por que é sempre assim?