Mea Culpa

Quando eu viajo no tempo

e percebo que é preciso

fazer alguma coisa

e continuo coçando a barba.

Eu sou também a Escuridão

Quando eu constato

que os rios estão poluídos

e as matas não mais existem

e não luto contra este crime.

Eu sou também a Destruição.

Quando eu sei

que a comida dos homens

está contaminada

e ainda assim sirvo a comida.

Eu sou também o Veneno.

Quando eu leio

sobre os horrores da guerra nuclear

e procuro aproveitar

o pouco tempo

que eu acho que me resta.

Eu sou também a Bomba

Quando eu tiro o corpo fora

toda vez que uma criança

morre de fome.

Eu sou também a Indiferença.

Quando eu vejo

um homem revoltado

protestando contra a miséria

e apenas acho graça.

Eu sou também a Injustiça.

Quando eu roubo um trabalhador

e acho que por isso sou esperto.

Eu sou também a Exploração.

Quando eu vejo

um trabalhador inocente

ser preso pela polícia

e apenas cruzo os braços.

Eu sou também a Repressão

Quando eu recebo

um salário indigno

e continuo trabalhando

sem fazer nada.

Eu sou também este Salário.

Quando eu falo,

que roubando o País

estou salvando

apenas o meu nariz.

Eu sou também a Corrupção.

Quando eu digo

que a fome geral

não me come o estômago.

Eu sou também a Miséria.

Quando existe muita diferença

entre o que faço

e o que falo e escrevo.

Eu sou também a Mentira.

Quando eu vejo as botas

pisando firmes

nos direitos do Homem

e somente limpo

o sangue do chão.

Eu sou também a Opressão.

Quando tudo se corrompe,

ninguém mais se entende

e ainda assim

eu luto pela Liberdade.

Eu sou também o Poeta.

------------------------------------------------------------------

1) Publicado em "Revista Verso Reverso" - SET/1984 - Rio de Janeiro (RJ).

2) Publicado no livro "Libertas quae sera tamen ou Escravo, Portanto Escrevo" - Ed. Ribro Arte - Rio de Janeiro - 1987 - pp. 18.