Noites Poetanas (Para Rita Maria de Lacerda)

Há muito tempo se reclama do poeta

que vive preso como um louco a muitos sonhos,

enchendo a vida de miragens e beleza,

atrás do sol e namorando mil estrelas.

Não querem mais enriquecer e trabalhar,

pois querem vida desprovida dos encantos

que o dinheiro e a fortuna favorecem.

Mas felizmente se enganam todos eles,

não se faz mais poetas como antigamente,

hoje em dia estão mais fortes e libertos

embora sejam tão amargos quanto antes

pois todos sentem que a tal de Humanidade

não mudou nada e não escuta o que se fala

e hoje se sabe que é mesmo desumana.

Atualmente se encontram todo dia

novos poetas, com poemas criativos,

sem rimas nobres e assimétrica medida,

porque descobrem todo dia ou toda noite

um novo ritmo contundente e inovador

não pra mudar a Humanidade indiferente

mas colocar uma pedrinha em seu sapato.

É bem verdade que o espaço é agora estreito,

não se tem hoje os jornais a comentar

nem falam mais pra burguesia em seus salões.

Nascem poetas, mesmo assim, como formigas,

soltam o verbo, até mesmo sem ter verba,

estão nas praças, bares, ruas, todo lugar,

seja onde fôr, falar pro povo é sua sina.

Se a estrela do poeta sempre brilha

não se retira mais do céu como outrora

já que se sabe que não pode brilhar mais

nos largos ombros dos já tantos generais

mesmo descendo, sem vontade, lá do céu,

mas cedo ou tarde logo acabam retornando

pois não se rouba uma estrela impunemente.

Mas se hoje passo o dia inteiro a escrever,

é porque surgem, como flores, mil projetos,

que dizem mais do que as tais academias,

já que florescem plenamente nos fardões,

mas não rescendem como a vida dos mortais.

Sei que não posso enumerar tudo que é novo

mas pelo menos registrar o que vi nascer.

Estou falando de um projeto pioneiro

que une poetas numa mesa a recitar

poemas longos sobre a vida e tudo o mais

já que os curtos ficam fora e não escutam

nem frases curtas que os poetas sempre fazem

porque escutar nem sempre é bom pra quem não vive

pois podem ter um bom motivo pra morrer.

Por isso falo dessas Noites Poetanas,

controvertida criação apaixonada,

desta poeta, justamente premiada,

Rita Lacerda, uma poeta independente,

que imaginou há muitos anos, este sonho

sonho na rede, na banheira, ou coisa assim,

pois foi nos braços de Vinicius de Moraes.

Se outros prêmios o poeta não recebe,

ser escutado e ser pago pra falar,

não são medalhas que merece receber

e se a Rita quase sempre ganha todas,

não recebeu a que merece de verdade,

porque passou a vida inteira atrás de um sonho,

criar à noite um espaço pro poeta.

Mas os vizinhos estão sempre reclamando,

querem dormir e as palavras dos poetas,

são como luzes que invadem toda a noite,

e nenhum deles quer os sonhos de mudança,

preferem morte inexpressiva e regular,

como um verme que não pensa e não produz,

são parasitas ou escravos, tanto faz.

Muito se fala que o poeta não suporta

tanta pressão de quem não gosta de poesia

todos esquecem que o poeta quando nasce

tem que ter muita paciência e resistir,

com paciência pedra perde a rigidez

e se desfaz como quem tem a hipocrisia

de não mudar o mundo cão em que vivemos.

Mas nesta vida não se pode querer muito

nenhum projeto sobrevive eternamente,

já que são poucos os recursos recebidos.

Mas mesmo assim sempre haverá quem continue,

mostrando a todos que poeta sempre vence,

quando as Noites Poetanas se acabarem,

nenhum poeta que a viver, esquecerá.

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As "Noites Poetanas" eram realizadas aos sábados no Bar Despensa das Gerais, na Rua Barão de Mesquita, dirigido pela poeta Rita Maria de Lacerda.

Hoje em dia, sem pouso certo, o projeto ou a poeta, pode aterissar, inesperadamente, na sua frente. Aguardem.

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1) Publicado no folheto de cordel "Noites Poetanas" - Ed. Ribro Arte - Rio de Janeiro (RJ)

2) Publicado em "Poesias ao Sabor do Vento" - http://www.bchicomendes.com/dcarrara/noites.htm