Conexão Internacional

No Brasil, enquanto o urânio enriquece

o crânio do povo se desfaz ou enfraquece,

estirado nas calçadas, reduzido a nada,

porque deixamos que a infâmia se alastre,

a moral lá em baixo e o corpo, um traste,

porões inundados de cadáveres e dívida,

salões alagados de parasitas sem vida.

Ninguém mais produz comida e nem se importa,

vício eterno de só produzir o que se exporta

e se alguém produz não encontra quem lhe compre,

porque colônia prefere sempre não vencer,

quando tudo acabar, sobra o sangue pra vender,

e doença é que não falta pra espalhar,

até mesmo a morte se produz pra exportar.

Na última viagem, o Titanic afunda

e se a festa continua, o porão inunda,

mas todos dançam a valsa no salão chiqueiro

e ninguém fala do cheiro imundo dos porões,

só ressoa, na noite, o riso alegre, dos poltrões

enquanto a dona desta festa, distraída,

se embriaga com o brilho das jóias, na entrada.

E ninguém percebe que o navio vai ao fundo

rapidamente como um povo sem comando,

nem mesmo a dona desta festa, que termina,

que segue em frente e se prepara pra orgia,

jogando roupas, em delírio, pela vigia,

a madame, tão deslumbrada, que já não presta

nem mesmo atenção ao jornal, no fim da festa.

Mas o jornal prossegue (en)formando como sempre

esta notícia que se espalha como um dobre,

à semelhança de um funeral em tom solene,

de segunda mão e com a ganância em riste,

que além, do galo que canta, ninguém mais insiste

e que hoje o país do futuro não tem mais lastro

e como sempre quem manda agora é o castro.

O delírio é tão intenso que ninguém percebe

a tragédia engraçada e inconseqüente,

já que mesmo chegando ao fundo não acaba

e a festa prossegue com o navio a balançar,

a orquestra, com a marcha fúnebre, a tocar,

porque esqueceram de expulsar o povo vil,

e os ratos não querem abandonar o navio.

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1) Publicado em "O Vale do Aço" - JUN/88 - Coronel Fabriciano (MG)

2) Publicado em "Delírio Cultural" - Jornal do Departamento Cultural do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro - Ano 1 - nº 2 - AGO/90

3) Publicado em "Arrulho" - Ano II - Nº 9 - AGO/1988 - Duque de Caxias (RJ).

4) Publicado em "Poesias ao Sabor do Vento" - http://www.bchicomendes.com/dcarrara/conexao.htm