Poema Antigo

Para Augusto Sequeira

o poema surge

da noite estrelada

e se instala solene

no salão enfeitado

logo tudo se ajusta

e recebe o poema

em cima da mesa

o poema descreve

detalhes e flores

comenta mentiras

esquece problemas

não fala de si

fala de nada

fala do vento

que sopra na mata

a vida ao redor

se separa

sozinho fica o poema

no meio da sala

logo vem o poeta

transforma

deforma

trabalha e produz

o poema maior

cansado se deita

o poema na mesa

da sala coberta

de vasta importância

de frases sublimes

repletas de prêmios:

medalhas escorrem da tinta

do poema imortal

na sala fechada

no centro da mesa

continua o poema

imutável

de face amarela

contempla o passado

sonhando acordado . . .

até o poeta

famoso morreu

de repente

o poema velhinho

vê o mundo moderno

medonho

tomar conta da mesa:

a sala se enche

das coisas do mundo

sufocado

o poema se rende

sob letras de sangue

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1) Publicado no livro "Incêndio Menor" - Ed. do autor - Rio de Janeiro - 1981 - pp. 35-36

2) Publicado em "Poesias ao Sabor do Vento" - http://www.bchicomendes.com/dcarrara/poemaant.htm