SOPA DO TINGUÍ

 
Sabe, compadre
foi ainda ontem que eu vi
tristes corpos
enrugados pelo tempo
pequeninas mãos
lépidas, esquálidas
emagrecidos braços
braços de homens
que outrora foram fortes
enfraquecidos pela fome
flácidas pernas
de mulheres tristes
esfaimadas
numa coleção dantesca
nos passeios da Tinguí
 
Sabe, amigo
foi só ontem que eu percebi
aquela tristeza no olhar
de quem estende a mão
e esmola
a boca que espera
e a lágrima que rola
a colher que a custo se ergue
da mão trêmula
contendo em si
a sopa...
do Tinguí
 
Sabe, irmão
foi só ontem que eu percebi
que cada mão estendida
aguarda uma migalha,
que cada olhar de tristeza
clama por compaixão
cada boca sem dente
espera um pão
 
E talvez, irmão, algum dia
ao passar por ali
você se verá
como também eu me vi:
de barriga vazia
esperando na fila
a sopa do Tinguí


(o poema refere-se a um local em Salvador, Bahia, onde é distribuída uma sopa, gratuitamente, a pessoas carentes)