EI-LO QUE AVANÇA

Ei-lo que avança...

Lua nos olhos,

lábios em dança,

cérebro aos folhos.

Traz mil canções

na cárie dos dentes

- gritos e orações

aos deuses cadentes.

Trinca o cigarro

nos lábios crestados,

segura o catarro

nos dentes cariados.

Urtigas, no peito,

cobrem cicatrizes

dum sonho, desfeito

entre meretrizes.

Traça, sem giz,

no tempo em dança,

o esboço-raíz

dum sonho-esperança.

A lua dos olhos

perde o seu brilho,

entre os escolhos.

Não deixa rastilho.

Seu sonho desfeito

é vento à deriva

- dilema, preceito,

antraz, chaga viva.

Seu sonho-esperança

esvai-se em lume,

torna-se dança

dum saco de estrume.

Ei-lo que avança...

É Rei deposto,

sem ceptro, sem lança,

com lama no rosto.

(in Jornal das Aves, 09/03/74)