Churrasco do Andrade

Domingão ensolarado,

Pessoal confirma presença no evento,

Vai ser de carne regado,

Churrasco do Andrade virou tradição com o tempo.

Vão arrumando as mesinhas de armar,

As cadeiras seguem o modelo de abre-pernas,

Tudo arrumado conforme a disposição do lugar,

Cada um vai chegando e sentando sem comodidade certa.

Todo mundo cumprimenta o Andradão,

A música que rola é samba que faz remexer até morto,

O dono da casa é boa praça, grã-fino anfitrião,

Tem aquele que bebe antes do churrasco e já chega torto.

Sai aquela maminha caprichada,

Homarada compara com os peitos da mulherada,

Quando chega a chuleta é ovacionada,

Um mais atrevido grita que adora “carne mijada”.

O espeto vai e vem no fogaréu,

O fogo começa tímido e depois se faz supremo,

Jogam um pouco de água nas chamas ao léu,

O carvão estala na quentura feito infernal lamento.

A cerveja é servida bem gelada,

Desce pela goela abaixo com aperitivo de carne,

O gelo conserva a bebida refrigerada,

Para os menos alcoólicos tem refrigerante que baste.

Sai aquele pãozinho no alho,

Uns lambem os beiços com o vinagrete caprichado,

Socam as asinhas de frango num prato,

Um que gosta de carne bem passada diz: - A minha eu faço!

O riso toma conta do ambiente festejado,

Descontração que faz o corpo relaxar,

O toicinho de barriga faz sucesso, está aprovado,

A alcatra pinga sangue, sabor de arrepiar.

Uma mulata do tipo sargentelli começa a sambar,

Homaiada de olho no requebra da sambista,

Vez ou outra a coxa viçosa faz a saia levantar,

Muito marmanjo de um gole só joga pra garganta a birita.

A rapaziada se anima e começa a dançar,

Batucada na mesa dá ritmo a empolgação,

A criançada pula feito perereca, sem parar,

O mulheril a fofocar, coisa corriqueira em tal ocasião.

Quiseram surpreender o paladar,

Jogaram um coelhinho na brasa,

Uns dizem que esse exotismo não irão provar,

Outros se rendem a gula e começam a saborear.

Pra competir com a cervejada,

Sempre tem aquele mestre de alambique,

O copinho miúdo denuncia a cachaça,

Alguns dizem que dar uma boa tragada é coisa chique.

Jogaram uma picanha que estalou,

Com aquela gordurinha de entupir artéria,

Só ao médico presente isso importou,

Não sobrou nem pra cachorrada estérica.

O almoço foi servido, arroz branquinho,

Farofada encorpada, ovo e linguiça,

Alguns pediram aquele bem servido feijãozinho,

Com o prato vazio é que ninguém fica.

A linguiça sai a todo momento,

Colocaram coraçõezinhos, mas nunca rendem,

Seu destino é servir de complemento,

Churrascada de primeira, não há quem desmente.

Orgia glutona para os vegetarianos empedernidos,

A costela cheira à distâncias incomensuráveis,

Agora sobra até um osso robusto pros cachorros no recinto,

Comilança farta de excessos incontáveis.

Um empolgado esbarra a mão no copo de cerveja,

Derramando o líquido sagrado no chão,

Pois pra terra só se permite o do santo no início da bebedeira,

O resto é coisa de bebum sem tradição.

A malícia do bom gosto da cerva,

Manda servi-la em copo de vidro,

Pois assim que manda a velha regra,

Copo plástico faz bebedor sentir-se ofendido.

Bucho cheio e álcool na mente,

Repique na ponta dos pés da malandragem,

Fígado conservado em cevada e aguardente,

Mulherada despreocupada com medidas e pesagens.

Vez ou outra rola um docinho,

Pode ser caseiro ou industrial,

Uns exagerados, glicose pedindo,

Outros gourmets atendendo pedido estomacal.

Num canto do terreno o Afonsinho,

Manhoso que só ele na conversa mole,

Logo alisa o lombo de uma branca de vestidinho,

Os casados pensam que já passou seu tempo de sorte.

Chega no ápice do evento,

Aquela negra de parar Marquês de Sapucaí,

Até velho acorda nesse momento,

Um rapazote oferece a cadeira só pra se exibir.

Mas logo atrás chega o companheiro da dama negra,

Corpanzil hercúleo de capoerista afinado,

Numa hora dessas não há macho que se meta a besta,

Mais vale conter a libido que ser espancado.

Tem sempre alguém que comete a gafe,

Seja o que leva bebida fina para posar de bacana,

Aquele que vai vestido de pastor com terno ou fraque,

Sem contar o que sai de mansinho pra não contribuir com a grana.

Mesmo com as obrigações no outro dia,

Semana que começa e exige afazeres de labuta,

O churrasco segue sem preocupações de festa tardia,

Tendo cerveja o povo vai até às madrugas.

O cigarrinho acompanha o pileque,

Dar uma pitadinha para relaxar é costume,

Mesmo sabendo que o Ministério da Saúde adverte,

Até uma charutada de macumba há quem fume.

Se é de gaúcho nem vale a pena discutir,

Mas que um churrasquinho vale a pena, isso é verdade,

Não importa se muito ou pouco recurso vai investir,

Será bem-vindo no quintal, na rua, no barzinho ou na laje.

Com certeza fica a herança pros filhos do magnífico Andrade,

Desde pequenos acostumados com a belíssima comemoração,

Um doutor disse que qualquer dia um morre de enfarte,

Mas vale é o momento seu doutor, com a família e amigos no enfartado coração.