Brincadeira de Rua

Quero jogar peão,

Fazer rodar e rodar,

Depois rolar no chão,

Deixar-se empoeirar.

Molhar-me na chuva,

Beber bocados d'água com a mão,

Ficar com a camisa suja,

Depois sem camisa, só de calção.

Escrever no solo com caco de tijolo,

Pular junto com as meninas Amarelinha,

Improvisar algum tipo de jogo,

Aprender a beijar com alguma garotinha.

Jogar pelada com os meninos,

Usando pedra de traves,

Camisa contra sem camisa, é lindo,

Brigar sem gravidade.

Arrancar a pele do dedão,

Chutando o cimento do pátio,

Ter torcida de bairro, que emoção,

Fingir falta, ator de rosto trágico.

Piques são muitos os tipos,

Seja o patriota que é o Bandeira,

Pode ser Pega, Esconde, improviso,

Tudo vira festa, na rua é brincadeira.

Pular corda com varal,

Usar pano pra no vôlei ser rede,

Assoviar e gritar visceral,

Suar até poder sentir sede.

Fingir ser polícia e ladrão,

Invadir propriedade alheia,

Pra criança não é crime, é recreação,

Vez ou outra alguém esbraveja.

Soltar pipa, levantando a armação,

O cerol que corta feito navalha,

Feito de vidro de lâmpada sem utilização,

Degola motoqueiro nas estradas.

Correr atrás da pipa que foi cortada,

Se aventurar subindo em lugares perigosos,

Trazer o troféu após ter sido encontrada,

Ganhar prestígio frente aos moleques mais pavorosos.

Se atrever a mexer com cão de rua,

Fazer telefone com lata e barbante,

Aprontar e em casa levar uma surra,

Ser chamado no portão num rompante.

Cair na mão com outro garoto,

Rito de gladiadores moleques,

Se ganha fica todo maroto,

Perdendo pede que se esquece.

Gírias criam um linguajar sem igual,

As tribos se formam naturalmente,

As diferenciações são de trato social,

Desde pequeno a gente aprende.

Bola de gude faz brilhar os olhos,

Tem o Bafo que levanta poeira,

Cata-se na rua tudo quanto é troço,

Tem gente que pega até coceira.

Rolar no mato, carrapato e carrapicho,

Tiro ao alvo com pedras,

Apostar corrida sem nenhum motivo,

Não ter hora certa.

Do portão pra fora tudo muda,

O que lembra o lar são os pais,

Sempre vem chamando, são de lua,

E a criançada resmunga mas vai.

Uns vão pra rua ainda comendo,

Mordiscando um pão, uma bolacha,

Outros preferem brincar não comendo,

Alguns comprar o que comer na praça.

Adoram espectadores,

Gostam de exibir os feitos,

Ainda mais se forem tutores,

Uma forma de rivalizar o respeito.

A imaginação fala forte,

Uma casa abandonada vira esconderijo,

Cria-se até mascote,

Uns tem desejo de Peter Pan embutido.

As brincadeiras de rua são o desligamento,

Daquilo tudo que nos coloca numa ordem,

Fora de casa podemos ter qualquer envolvimento,

É o verdadeiro espaço público que nos acolhe.