Eu acreditaria
Wilson Correia
Eu acreditaria em um Discurso
se quem discursa estivesse nele e
estivesse em si mesmo – só quem
está em si pode estender-se
àquilo que o outro é.
Eu acreditaria em Deuses
se eles me revelassem o sentido
da vida – apenas quem conhece a vida
não se deixa ser usado para
fundamentar manias, taras e exclusões.
Eu acreditaria na Pátria
se a pátria fosse justa, mais tão justa
que não tivéssemos que pedir licença
para viver nossa relativa liberdade – onde
falha a justiça reina o totalitarismo egóico.
Eu acreditaria na Propriedade
se a propriedade fosse para promover essa
vida curta de todos nós – não esse monstro
que se apropria do humano e o
escraviza como o prego à madeira.
Eu acreditaria na Liberdade
se ela não fosse esse pretexto para o
absolutismo egotista que nos açoita – quando
a liberdade só é liberdade à custa da escravidão
alheia, então ela tem de ganhar um outro nome.
Eu acreditaria no Coletivismo
desde que ele fosse para se construir uma
sociedade de companheiros – só companheiros
podem dizer que realmente partilham
o mesmo pão.
Sim, eu acreditaria – mas não posso:
discurso ainda é fala que falseia,
deuses ainda são armas letais,
pátria ainda é coisa caseira,
propriedade ainda significa morte,
liberdade não rima com coletivismo e
justiça ainda é quimera – passa ao largo,
mesmo quando a vida pede condições
de viabilidade.