Versos Descalços
Vejo versos espalhados nas calçadas e arredores,
poetas vão correndo nas ruas, apressados, sem se saber...
Poemas choram perdidos, de pés no chão, a buscar poesia,
olho pra um poeta menino ou menino poeta engasgado nas letras
e seus versos, desnorteados, vagueiam sombrios ao derredor,
rondam a imaginação que não se percebe e não se liberta...
Ouço a miséria a declamar estrofes de farto estilo,
do impiedoso cotidiano que amordaça a pouca voz
e descalça a beleza, descalça a pureza, versos que não se dão...
Percebo um poeta velhinho que não pôde entoar sua vivência,
seus versos molambos e débeis, brigando com a história, sem florir,
com ele ao relento, sonetos sonolentos de muletas nas mãos...
Sinto o sabor das insanidades humanas que corrompem a poesia,
dói-me a procura de uma sombra que alivie os versos no quente piso,
ando onde fluem as idéias reprimidas dos poetas adormecidos...
E amargo o gosto das verdades deglutidas em silêncio,
tantas vezes amordaçadas e atordoadas, subjugadas pela sutil hipocrisia,
deixadas como rascunhos num canto anônimo e frio...
E o perfume desses versos pobres, descalços, sofridos
invade-me leve como o imaterial almíscar em lamento...
Lamento oprimido do ser que não transborda nem declama...
Respiro tal fragrância e chego a me embriagar de tanta poesia,
aquela que, latente, cega e muda passeia por todos os lados,
desprovida do ar necessário pra exalar seu férvido cheiro...
Toco os versos descalços que se atropelam
nas ruas escuras desta vida tão mansamente desigual...
Assim, percebo quantos deles se vão abortados pela insensibilidade,
pela dor que não permite o devaneio, que cerceia o delírio da criação
e descalço caminho com esses versos despersonificados
dos humildes, da existência, versos pobres e mortais, de pés no chão.