Pancada de verão
Chove e venta muito lá fora
Cá dentro meu cérebro trabalha
Silêncio e solidão reúnem agora
Idéias que a multidão embaralha.
O parque em frente de casa alaga
A rua torna-se terra ensaboada
É o desejo da mortífera praga
Para levar mais um à sua morada.
Enquanto a água desce pela parede
A que vem dos morros eu imagino
Levando corpos e casas tal a rede
Do pescador a cumprir seu destino.
Ficam sem freio os carros velozes
Impacientes, infelizes condutores
Gritam como feridos animais ferozes
Quando se lhe aproximam horrores.
Vou ver mais tarde nos telejornais:
- Enchentes, acidentes de sul a norte -
Mas tantas coisas já são tão banais
Que, nestas ocasiões, é normal a morte.
Brinda-nos com uma trégua a chuva
Foi uma forte pancada de verão
Deveria servir, perfeita como luva,
Para fazer refletir os gestores da nação.
Porém, de que lhes servem as vidas
De pessoas comuns fora das eleições?
Alimentam-se das nossas feridas
Mas pedem votos com boas intenções.
Chega! Enoja-me demais este assunto
O Céu despejou sobre nós sua ira
E, parte da minha, antes de ser defunto
Despejei, sem beleza, nesta “imbela” lira..
Cícero – 22-12-05