A Face Escancarada Mas Quase Oculta

Acordou pelo frio que sentia

A esperança já quase não existia

A barriga que sempre crescia

Agora já não doía

A memória foi sumindo, sumindo, sumiu

Das pessoas que ajudavam nem seu rosto viu

Queria ter um pouco, menos que mil

Só pra poder matar a fome que já sentiu

Esquecera o telefone de onde morara

Mas lembra do conforto daquela sala

Não lembra nem mesmo da rua onde passara

E nem nomes de pessoas que já amara

Muitos a chamam de mendiga

Pelo que sabe, só a mãe é falecida

Quando saiu de casa já estava crescida

Porque já não agüentava mais briga

Procurou por muito tempo

Até que desistiu desse tormento

De levar não na cara como o vento

E só lhe restou o lamento

Os estudos não existiam

Era sempre o que todos pediam

Alguns amigos escreviam e até liam

Mas empregos pra ela não haviam

Levantou-se e enrolou o cobertor

Ainda bem que hoje não sentia dor

De seu cabelo não gostava nem da cor

Parecia que em seu caminho, um ventilador

Caminhou até a praça muito movimentada

Onde por todo o dia permaneceria sentada

Cantarolando canções ultrapassadas

A espera de algum, quase nada

A vergonha a muito a abandonou

Pedia esmola, comida, por favor

A muito não sabia o que era o amor

Todos são cegos? Só se for

Porque será que não vêem?

Claro, não é o que lhes convêm,

Fingem que olhos não têm

E acham que não precisam ajudar também

Mas acabou se conformando

Aos deuses da rua agora adorando

Para que o sol esteja sempre iluminando

Pelo menos ele a mantinha andando

Até que um dia nem o sol nem o vento

A levantou do chão cinzento

Chegava ao fim aqui o seu tempo

Teria finalmente um contentamento

Estava ali no chão sem alma, sem cara

Deram-lhe, chegando rápido ao IML, uma ala

Para disfarçar um pouco a sala

Para que turistas não saiam com suas malas

Não adianta, a verdade sempre aparece

Mas, como tudo que é ruim, a gente esquece

E nos políticos? Nem estresse

Vem sempre alguém e agradece.