PASSAPORTE PARA O FUTURO
Era um dia de chuva densa,
Ardia na pele a friagem cortante!
O vento espalhava sua fúria aquosa,
Fúria que alagava a avenida imensa!
Desciam num fluxo intenso e constante
Os fios massivos daquela chuva grossa!
Na calçada um menino franzino, com gripe,
Engraxava com zelo sapatos caros, de grife,
Com seus pés descalços, sujos de lama:
Lama do chão imundo!
Com sua alma sofrida, suja de lama:
Lama da frieza do mundo!
Notei que o menino espirrava
Enquanto exercia seu ofício!
E pensei com Deus: que vida difícil,
Na sua idade eu só estudava!
Recordei a minha infância,
E vi um menino asseado sentado à mesa
Da sala de aula de um renomado colégio!
Vislumbrei o destino daquela criança
No corpo de um homem maduro,
E para minha amarga surpresa
Percebi que o tempo que dediquei ao estudo,
Este passaporte para o futuro,
Foi, na manhã da minha vida, um privilégio,
Porque não precisei trabalhar, tive de tudo!
Antes de me deitar, olhei para o retrato
Da minha mãe, que foi uma mulher forte,
E pensei com ela no silêncio do quarto:
Mãe, como é frio esse chicote!