DEPOIMENTO DE UM FAVELADO
Choro de saudade de tudo que não fui,
das primaveras que passei sem florescer,
dói-me na alma a lágrima que flui,
como ácido inclemente a me corroer.
Não tenho renda, não tenho legado,
não tenho um Cadillac,
não sou culto, não sou letrado,
não sou um Olavo Bilac.
Tento sobreviver numa realidade
dividida entre a escassez e a abundância,
entre a negrura da necessidade
e a secura da ganância.
Conheço a miséria a fundo,
minha condição social transparece
todo o abandono do mundo
e toda a dignidade que em mim falece.
Não sei o que é cidadania,
mas sou chamado de cidadão,
represento o mártir da tirania
de um sistema de exclusão.
No céu da pátria não me antevejo,
meu futuro é cego, surdo e mudo,
do sol da liberdade sou apenas um lampejo,
estou carente de sorte e cansado de tudo.