A TERRÍVEL FILA DO INSS

Deixa, poeta, o mouse, o teclado, esquece o poema burocrático, e vai cedinho para a fila do INSS.

Bem cedinho, eu disse? Vai, mas é com doze horas de antecedência, seja noite de lua cheia ou chuva pesada, e sem a certeza de conseguir a aposentadoria tão sonhada.

Certeza jamais terás, mas expectativa (que supri, de qualquer maneira, tudo), uma expectativa espera de doze horas.

Dezesseis, dezoito ou mais: o período não vem o caso, quando aperta a necessidade brasileira de ter no bolso o capital, adversário do trabalho.

Policia, patrulhas, guardas não te protegem e empurra-empurra não facilita o ato de conseguir teu mísero salário da Previdência Social, para qual contribuiu anos a fio.

Se na rua for assaltado por meliantes ou maltratado por funcionários que lá trabalham e trilham no mesmo caminho que o teu, se sentir fome ou sede de justiça, não fiques tu zangado: é para teu bem.

O direito é de todo povo trabalhador, em princípio, tal como o livre-arbítrio, a ternura, o ar carregado de oxigênio. Mas há que alcança-lo para a tua digna sobrevivência.

Bolsos dez mil vão pleiteando cada dia o que apenas chega para de um mil satisfazer necessidades famintas.

Persistas, não desistas jamais: amanhã outros mil pedidos de aposentadorias serão liberados desse modo.
Pouco a pouco se vai aumentando o acumulado retido nos cofres do Estado. Assim não falta jamais salário para o aposentado.

(embora falte sempre nos bolsos). Técnica esconde-pinga: não sabes que a aposentadoria torna terrível a tua procura?

A Previdência levanta entrincheiramento contra esse teu projeto de aposentar-se. Há alvoroço, há chilique, há mortes nas filas,

Esperança à lá Gandhi ates as portas de ferro fechadas, preservação do pouco dinheiro, o real que cobiças.

É grande peripécia apresentada ao tépido dia-a-dia em que salários. Momento de agitar-se, deleitar-se da vida.

No volume dramático da peleja por uma imaginária e humilde, mas verdadeira: Aposentadoria! Aposentadoria, ao menos um salário mínimo!

Conta bancária, cartão magnético no bolso... Salário, esse não: “é sonho puro”, mas uma aposentadoria indigna e companheira.

Que indica os períodos tão desmoronados em que ele aumentava sob o colchão sem o olho normativo do Estado.

Caso não consigas... nada a reclamar. Acreditar é que importa – o trabalhador sabe enquanto leva o não descarado.

Deixa, poeta, as palavras moderadas, a serenidade do teu pomar de vocábulo, e vai padecer na filha do INSS.
R J Cardoso
Enviado por R J Cardoso em 02/08/2005
Reeditado em 15/04/2006
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