olhar Hurbano
vi a cidade rebelde
feita de barulhos e sujeira
volátil, luzes piscantes
fachadas inquietas
cidade da revolução pululante
tantas ideologias
estampadas em canecas de café
presenciei a repressão
Che Guevara preso na vitrine
o Rosa tentarem proibir
torturarem Neruda pelos cantos
vi Drummond livre num estêncil
e a cidade engolir, nas ruas, o jovem
e soltar um arroto fumacento de bomba
assisti aos matutares das mentes
criminosas criadoras e as gloriosas reproduzentes
vivenciei todas as fases do amor:
do fora de moda, ao ridículo e o sintagma puro
conheci várias versões da história
nos livros, nos muros e em meus olhos
a cidade é um mundo todo ela mesmo
e os carros batem, revolucionam
as buzinas tocam, gritam pela liberdade de passar
a cidade revoluciona a si e a nós mesmos
que pensamos aventureiros, tristes
e sonhamos pouquíssimo acordados nesses dias
vi tudo e racionarem ainda meu sono
campo livre e natural de nossos sonhos
senti o cheiro nosso próprio, cheiro de medo
abri os olhos para a janela e senti enorme pena
da rua, das mães e dos pais, das pessoas
e dum pequeno meu reflexo, no vidro sujo
que se faz, nestes tempos, de espelho.