Intolerância nas Aldeias

Intolerância nas Aldeias

O fato que vou contar

Aconteceu, é real,

No salão dos Conselheiros

Na OAB central

No Palácio dos Advogados

Lá na Morena Capital

Um homem de rosto pintado

De vermelho urucum

Com cocar reluzente

De penas de pato e mutum

Fazendo uso da tribuna

E sendo um grande orador

Abriu o seu peito gigante

Falando de desrespeito e dor

Lembrou à elite dos advogados

Desse bagual Mato Grosso do Sul

Dos incêndios criminosos

Das casas de reza, as ogapyssú

Nas aldeias Bororó e Jaguá Pirú

Da nação guarani e kaiowá

Que muitos tem conhecimento

Mas poucos se atrevem a falar.

Falou de homens fanáticos

Pastores fundamentalistas

Que pregam a palavra sagrada,

De modo maniqueísta

Enquanto atacam sem dó

A religião primeira, animista

Com seu fogo “santo” e covarde

Tudo transformando em cinza e pó

E já o nhande rú , o rezador , o pajé

Vive infeliz, perseguido, acuado

Por seus irmãos convertidos

Que dizem o Paraíso ter encontrado.

Estes rezam e cantam nas noites de lua

Demonstrando sua verdadeira fé

Em uma religião mais antiga

Que a pelo branco trazida

Onde Nhande Rú Guaçú é Javé.

E dançam alegres nas noites de lua

Saudando Jassy, o menino levado

Tomando do milho a doce chicha

Empunhando seus sonoros maracás

De plumas e penas enfeitados

E os pastores a tudo ignorantes

Pregam e gritam que tal cerimônia

É dedicada ao Belzebu, o Diabo.

E aquele que fala, que brada

Do alto de tribuna com cocar ornado

Cuja voz é mugido de touro

É esturro de onça, jaguaretê

É o índio mestiço, advogado

Que os guarani e kaiowá batizaram

“Homem Forte”, Karaí Mbaretê !

Se dirige à Fábio Trad

E aos demais presentes

Lembra das sábias palavras

Cruas, fortes, inclementes

Usadas pelo estudioso do direito

Dr. Fábio, o grande presidente

Da Ordem dos Advogados

Desse bovinocrata, açucareiro

Sucroalcoleiro e ameríndio Estado

Quando na Câmara de Vereadores

De Campo Grande fora homenageado

Recebendo o Troféu Domingos Veríssimo Marcos

Por, pela causa indígena ter peleado.

Denuncia a intolerância, violência, perseguição

Com que os índios evangelizados

Tem tratado seus irmãos

Considerando-os como demônios,

De Satanás uma legião

Apenas por se manterem fiéis

A antiga, primeira religião.

E que amanhã não aleguem

Ignorância, desconhecimento

Os dirigentes deste ameríndio estado

Quando mais uma casa de reza

Um local pelos guarani e kaiowá

Considerado de respeito, sagrado

Amanhecer ardendo em chamas

Taquapús, jeguacás, maracás, emboís

Destruídos, incandescentes, carbonizados.

E assim esperam guaranis e kaiowás

Que possam exercitar em paz

Sua primitiva e profunda religião

Direito inclusive que lhes é garantido

Pela maior das Leis, a Constituição

Mas que lhes está sendo negado

Por seus fanáticos e convertidos irmãos.

Marcus Antonio karaí Mbaretê Ruiz

Glossário

Cocar = adorno feito geralmente de penas, para uso na cabeça.

Bagual = selvagem , animal inteiro não castrado, garanhão.

Ogapyssú = casa de oração, casa de reza, templo.

Bororó = nome de uma aldeia de Dourados/MS.

Jaguá Pirú = jaguar = cão, onça, Pirú = magro, logo cachorro magro ou onça magra, nome de uma aldeia.

Maniqueísta/ Maniqueísmo = filosofia religiosa sincrética e dualística ensinada pelo profeta persa Mani ou Manes, onde o mundo é dividido apenas entre duas forças, Bem e Mal.

Nhande Rú Guaçú = Nosso Grande Pai, Deus Criador.

Animista = teoria que considera a alma o princípio da vida orgânica e psíquica.

Chicha = bebida fermentada tradicional de grupos indígenas feita a base de milho, podendo-se usar também batata doce e cana.

Ameríndio = Índio da América.

Taquapú = Taquara grossa usada como instrumento musical para acompanhar danças, de uso feminino.

Jeguacá = paramento indígena, adorno de cabeça, cocar.

Maracá = instrumento musical sagrado feito de porongo, cabaça, utilizado para se comunicar com o mundo espiritual.

Emboís = paramento usado em ritual, colar, geralmente feito de sementes do capim Coix lacryma-jobi L. , cujos sinônimos populares são, conta-de-lágrimas, contas-de-nossa-senhora, lágrimas-de-nossa-senhora.