Saio para a noite
Saio para a noite. como que a procurar
todos os caminhos da noite,
sorrio sorrisos obtusos,
para as putas que me sorriem, sorrisos mensagem
como que a dizerem:
Vês o mundo «não é só das prostitutas
A cheirar esperma de mar»(1)
É de gente «com a inquietação resignada.»
Gente que dorme nos portais
«embrulhada em cobertores de frio».(1)
Gente precocemente envelhecida,
«com musgo na cara, de tanto chorar desde as fontes»(1)
Gente arrastando solidão nos olhos.
mas que resiste à dor de saber, que a morte
tem a dimensão exacta do seu tamanho.
Gente, que não sai para a noite como eu saio,
porque a noite já é o seu lar e o seu dia
onde as árvores gritam,
e o vento traz novos fantasmas
uivando paraísos de fome na primavera.
Saio para a noite. desço a avenida grande
e canto, em voz exaurida,
o espanto da noite enfarpelada
desta cidade estóica,
graniticamente cosmopolitizada
onde o tempo apodrece,
alheio
ao olhar dos cadáveres, sem mortalha,
sem deuses nem diabos a enfeitarem a morte.
Saio para a noite
cumprindo o meu destino de poeta,
dizer a toda a gente: «olhem o sol que vai nascer»
Manuel C. Amor
Abril 2007
(1) José Gomes Ferreira