ÓRFÃO DA PÁTRIA
Eu queria, ao menos, derramar
Lágrimas de desamparo,
Mas as lágrimas secaram;
Eu queria, ao menos, espalhar
Palavras de desespero,
Mas as palavras morreram;
O menino lançou sobre mim
Um olhar que resumia
Toda a angústia do fim
E todo o luto da alegria;
Era um menino de rua,
Vender balas era o seu labor;
Suava gotas de amargura
No ardor da sua dura missão;
Pai! clamou uma voz interior,
Por que me abandonaste
Se eu jamais te abandonei?
Mas o clamor não chegou ao Céu;
Olhei-me por dentro e vi, então,
Com o coração desassistido, ao léu,
Que naquele deserto escuro
O meu pai corria-me nas veias,
Completo como as luas cheias;
Por um grave instante, eu juro,
Percebi que eu também era pai
Daquele pequenino órfão da pátria!
Eu me senti como o menino,
Entregue à própria sorte,
Aguardando a visita da morte,
Sem esperança, sem destino...
Havia no meu sentimento alguém
Que corria a pedir socorro;
O menino era a minha extensão,
Dividíamos a mesma tensão;
A necessidade que habitava nele
Fazia morada em mim também;
Pedi ao menino uma bala
Como quem chora;
Pedi ao menino uma bala
Como quem se mata;
Pedi ao menino uma bala
Como quem vai-se embora;
A noite que sobre mim descia
Era nublada, e era fria!
E nessa hora acharcada de desalento,
Eu me senti escurecido por dentro,
O sol da felicidade, que luzia, se pôs,
Deixando um rastro de luz e lamento;
Porque a miséria que nele bulia
Não bulia só nele, bulia em nós dois;
O menino encarou-me sorridente
Quando lhe entreguei o dinheiro,
E eu segui em frente,
Desejando voltar;
E eu andei o mundo inteiro,
Desejando ficar;
Levando comigo o choro preso
E o grito morto;
O mundo estava virado ao avesso,
E eu vi no menino um futuro torto;
A dor que me corroía de mansinho
Eu sentia na alma daquele anjinho,
Que me fitava com o olhar fundo,
No abismo de quem se afoga;
E me agradecia com o falar mudo,
No histerismo de quem implora...
Pedi a Deus que me livrasse do pior
Enquanto eu vivesse,
E desse ao menino uma vida melhor
Antes que ele morresse!