Eu nuvem

Os tempos passam sem privilégios

As pessoas andam para lá e para cá

Eu nuvem no céu em tons egrégios

Murmurando orvalho no chão de pá

Chorei nas candeias e fiz renascer

Fiz reparar da seca um novo amor

Das leguminosas centelhas, ao crer

Vi brotar os ramos verdes em louvor

Mas eu simplesmente era só uma nuvem

No céu, não tinha a terra em minhas mãos

Não podia descerrar os tempos que viúvem

De amor outrora farto de imagem e ilusão

Eu nuvem no céu via tudo no chão

Choro e alegria, amor, sofrer e ódio

Via o poer das visões turvas de paixão

Vi também o egoísmo em seu pódio

Eu nuvem no céu parecia inatingível

Como algo que desvanece ao toque

Podia-se me ver, mas era intangível

A cada uma minha imagem um retoque

As forças engendradas pelo homem

Trouxe ciência, técnica e outra visão

Mas entre minhas moléculas há outrem

Entulhos gasosos, os troços da poluição

Coisas dos homens, há coisas da vida

Enquanto uma nuvem no céu rebentava

Tormentas de lágrimas ácidas na ermida

Fruto da ignomínia, por dentro chorava

Fiz rios correrem com maior força e emoção

Vi os homens fazê-los de veia cheia de lixo

Lambendo as suas margens com a população

Vi ali o reflexo do homem e seu interior rijo

Eu nuvem colhi do chão a água em vapor

Vi os homens ignorarem o amor por opção

E transformá-lo em critérios materiais e dor

Por isso os vi se engalfinharem demais então

Eu nuvem no céu, deixei de chorar no chão

Até que a terra não mais ofertasse alimentos

Vi fome e seca e os opróbrios entre irmãos

Guerras tácitas e explícitas por emolumentos

Quando pensavam que eu não estava no céu

Dispersava-me de forma um tanto invisível

No ar seco de uma metrópole bolada pra réus

Enquanto nela trafegava um povo risível

Era uma ordem de mais seres da corrupção

Eu os vi venderem e cobrar a pobre gente

Vi essa gente desesperada de alienada noção

Sem ar, sem chuva, desumanamente carente

Vi a terra fértil não emanar nada mais, só dor

A esperança evaporar e se tornar um desalento

Os fartos chorarem e morrer de infarto e a flor

Desabrochar sem sementes, sem um momento

Eu nuvem vi tanta coisa... Nesse céu cor-de-anil

Vi o que os homens são capazes de bom e ruim

Chorei pelos justos com doçura e também ao vil

Para que carregasse a imundície e fosse assim...

Eu nuvem obedecendo às leis naturais, assim o fiz

No trabalho aqui e acolá nesse doce céu cor-de-anil

Reguei a terra enquanto podia, vi de tudo o que quis

Vi também o que não existia nesse mundo de cores mil

Alexander Herzog
Enviado por Alexander Herzog em 10/05/2014
Reeditado em 23/05/2014
Código do texto: T4801306
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