Por que me tornei neto de Vovó Ana?

Por que me tornei neto de Vovó Ana?

Bem,

confesso que não quis,

que não queria.

Fui obrigado.

Me jogaram lá.

Antes, minha vó me chamou,

mas não tive ouvidos.

Os leões me feriram,

e ela me abrigou.

Me tornei neto de Vovó Ana

porque não aguentava mais

ver uns esbanjando,

e outros cambaleando

sem se quer ter o que comer.

Me tornei neto de Vovó Ana

porque não aguentava mais

ver sonhos se acabando

e a alienação começando

logo nas sementes de uma nação.

Me tornei neto de Vovó Ana

porque doí em minha alma

saber que hoje,

enquanto eu escrevo esta poesia,

um velhinho sábio e uma criancinha sonhadora

podem estar nos hospitais

morrendo a míngua

por não terem um mísero tustão

para pagar pela "saúde" que mereciam.

Enquanto este velhinho sábio e esta criancinha sonhadora

estarão morrendo,

velhos burgueses e crianças individualistas,

estarão rindo à toa,

esbanjando à toa,

me ignorando à toa.

Me tornei neto de Vovó Ana

por não ver justiça

onde alguns tem muito,

e outros não tem nada.

E os que tem muito,

ainda se desculpam:

"eu trabalhei para isso".

Mísera sociedade em que

trabalho é exploração.

Foi por essas e outras,

muitas, muitas outras,

que cheguei a casinha

de uma velhinha, trabalhadora e lutadora,

de nome simples, de nome comum,

chamada Vovó Ana.

Vovó Ana,

Vovó Ana Montenegro... da senhora, eu tomo benção.