Desvario
Caro amigo, caminhante,
Que me olhas assustado,
Sou apenas circunstante
Dum sinistro anunciado.
Vês um corpo estendido
Às margens da fria estrada?
É só mais um desvalido,
Privado da vida por nada.
Não merecia morrer.
Perdeu a vida em vão,
Só por tentar proteger
O seu mísero tostão.
Negou-se a se desfazer
Do pouco dinheiro suado,
Crendo poder vencer
O agressor desalmado.
Foi pura e simples loucura,
Desvairada ilusão.
E, nessa insana aventura,
Tombou no frio chão.
Sucumbiu a uma bala,
Certeira, no coração,
Como paga do destino
Por sua ingênua ação.
Estou aqui a seu lado
Em triste contemplação,
Pasmo e desolado
Frente a tal situação.
Sei que a morte não tem cor,
Não discrimina ninguém:
Lava o santo e o pecador,
O rico e o pobre, também.
Mas como assusta a crueza
Com que um salteador
Usa de sua destreza
Para semear a dor!
E como dói o desatino
De cidadãos desesperados,
Que, num surto repentino,
Perdem a vida por trocados!