Teletela armada
A cada dia que passa, repito o ato de ligar a TV
A cada vez que a imagem se ilumina e meus ouvidos escutam as mentiras
Certifico-me de que, de fato, errei de novo
Tragédias sanguinárias, anunciadas por falas sádicas
Violência gratuita, o ódio jorra da tela
Corpos empilhados são dados, mostrados como solução
Pra uma sociedade tão doente quanto os apresentadores e suas mentes
O pobre e preto que não se vê na novela
No noticiário policial agora se enxerga
Se for marrento se orgulha, o crime é honrado na rua
Na rua sem escola, trabalho, sem paz e sem centro de cultura
Mostram a cara de um ‘de menor’, coisa que nem poderiam
Chamam o garoto de bandido, vagabundo
Cospem na imagem de um bode expiatório, tripudiam!
Ao rapaz pobre lhes oferecem do cemitério, o chão imundo
O garoto usava mesmo maconha, mas também ia à escola da favela
E no dia depois de sua aparição
Naquele sensacionalista programa de televisão
Esbarraram com ele numa viela
Os ‘homens de bem’ o encurralaram
Tendo nas mãos um retrato
Disseram: “chegou o dia da justiça!”
E começaram o maltrato
Soco, chute. O lastro de sangue vermelho pela rua se fazia
“Bandido bom, vai morrer agora!”
Polícia alí não havia, se houvesse, talvez pior seria
O menino quase se indo, da consciência se despia
Pensando nas famílias das novelas
“Que bom se assim tivesse sido a minha”
Deixou o corpo em pouco tempo, mas antes já tinha morrido
Na falta de assistência, de um Estado falido
Na falta de uma escola, em um Estado fudido
Com a TV dizendo a todos, que ele era bandido
Na falta de direitos, todos negligenciados
Já tinha morrido ao nascer, no lugar e no lar "errado"
O pobre e preto menino.