Heranças da colônia

Somos todos brasileiros,

herdeiros dos primeiros forasteiros

trazidos para cá,

para Macapá, para o Rio,

para inicialmente contaminarem os índios

e, como sabiam que não eram bem vindos,

estupraram jovens índias, moças lindas

e aí entramos nesse círculo vicioso

e perigoso,

da gripe, da gonorreia e da sífilis,

das quais nunca nos livramos,

mesmo depois que a família imperial

para cá se mudou,

expulsa de lá pelo imperador francês.

Nossa língua é o portunhol

e a nossa história

nem de longe é inquestionável.

Não somos invejáveis,

somos sim, indesejáveis,

há menos que possam menos do que nós.

Em alguns países africanos, talvez,

mas eles não têm os privilégios

que a gente tem:

climáticos, hídricos e geográficos,

com toda a proteção do Senhor Deus,

mas parece que insistimos

em rezar para o diabo.

Começamos errado

e até hoje somos penalizados

por isso

e tudo isso porque

as tribos canibais, naturais daqui,

não apreciavam a carne ruim.

Somos assim, omissos.

Assim somos, descansados.

A nossa maior ambição é pelo pão

e se acompanhar um pote de requeijão,

aí vai tá bão demais.

Vivemos em paz,

mas não com as nossas consciências

e as consequências estão aí,

nas valas, nas favelas -senzalas modernas

e nas eternas romarias, cheias de preces,

para que Deus nos socorra,

mas Ele já nos deu a boa terra,

rios, lagos, florestas,

só não vai prender quem não presta,

porque Ele é o juiz,

mas não é policial.

É anormal a nossa capacidade

de tendência para o mão.