Poetisa de aplicativo

Tudo começou com uma folha de caderno

Queria falar sobre sentimentos

Dentro do peito aprisionados

O que já a fazia varar a madrugada

A pensar sobre o sentido da vida

E se ela não era um acidente

Ela escrevia esporadicamente

Mas os cortes que fazia na pele

Eram os gritos mudos das poesias

Para o papel jamais traduzidas

As cicatrizes na pele seriam julgadas

A lâmina traiçoeira que a seduzia

Nunca saía em sua defesa

Ela tampava os ouvidos e chorava

O vazio concreto naquele entendimento

Descartava a possibilidade

De ela buscar na automutilação

Um meio de extirpar o sofrimento

Ela dizia a si mesma que "só por hoje"

Só por hoje não seria má consigo mesma

E quando o coração apertava

A noite caía e naquela cama solitária

Os fones de ouvido a faziam companhia

As lágrimas molhavam o travesseiro

Gostava da escuridão por isso mesmo

Distante de uma folha de papel

Usou o bloco de notas do celular

Não censurou o fluxo dos pensamentos

Jamais falaria em voz alta o que escreveu

As pessoas à sua volta eram concretas demais

Esvaziou-se daquela angústia

Salvou o arquivo no rascunho

Daquela plataforma de leitura

Também uma rede social em potencial

Pessoas liam pessoas o tempo todo

Não era preciso ser um prodígio

Para publicar textos e poesias

A fanfic que a levou a se cadastrar

Foi retirada para ser publicada

Em formato físico e reformulada

Já havia feito amizades

Conhecido poetas de todos os cantos

O username preservava o anonimato

Era livre, enfim...

Nem ao menos estava certa se voltaria

Mas o retorno foi imediato

Ela soube que nunca esteve sozinha

Versificados em primeira pessoa

Nunca antes versos foram tão plurais

As expressivas visualizações a animaram

eu, escrevendo um livro?

Pensou ela, num rompante de medo.

Pois sim, aquele era um livro!

Ela ainda estava com dezessete

Perto de concluir o ensino médio

E ser jogada no "mundo real"

Repleto de monstros e inseguranças

Não que vivesse num mundo ideal

Ele lhe dava muita dor de cabeça

A maioridade se avizinhava

Por outro lado nunca se esqueceria

Das amizades feitas na escola

E daqueles momentos intensos

Caminhando para o derradeiro fim

O futuro era um paradoxo

Se augurava incerteza e receio

Também trazia consigo a esperança

De ser uma poeta psicóloga

O livro crescia a cada semana

E a cada jogo de palavras

Cada ironia fina, cada reflexão brutal,

a garota ia de encontro à sua vocação

Poetisa de aplicativo?

Ora, por que não?

O mundo cresceu demais

Para que fronteiras delimitem

O que é ou não poesia

Sob o critério dos temerosos soberbos

Aprisionando a liberdade

Com o intuito de desmotivar

Quem tem um jeito próprio de expressar

O que há de mais belo na alma

Porque inegável é a constatação

De que a arte é a tábua de salvação

De quem precisa transformar em belo

O que nunca foi nem será

Entre uma desgraça e outra, vai um verso?

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 14/06/2016
Reeditado em 12/01/2022
Código do texto: T5667481
Classificação de conteúdo: seguro