Inumana dor

Lixo-me para a dialética do socialismo gordo e rubicundo

para o mercado de capitais e capitais pecados

do terço desfiado e sem rosário – espinhos, talvez!

Lixo-me! Lixo-me outra vez para a verdade

e a veleidade inútil democrática...

Antes a socrática saída – porém, nobre!

A sociedade cobre estas feridas...

Lixo-me mesmo para a vida – origem, meio e fim!

Não mais me iludo com o lixo acumulado da fartura,

e sobrevivo avesso à literatura inusitada

montada sob o efeito de palavras escolhidas

e a esmo unidas sob um manto de cultura...

Lixo-me mesmo para a vida e a morte!

Tornei-me estrume imune aos seus avanços

e no ranço sentido eu me misturo

e lixo-me por viver do escuro lado avesso às gentes

mormente pelo tudo não visto e não sabido...

Não vi e não sei, mas eu me lixo!

Sem lei é o mundo – obscuro;

e eu – bicho homem – me afundo mais neste monturo

de sonhos nus e enfadonhos

disputando o espaço infecto com urubus...

Lixo-me por ser homo erectus

quase quadrúpede – tão curvado – um bípede involuto e involuído.

Neste monte de lixo esquadrinhado

eu luto sem ter vivido

e lixo-me!

***

Comentário meu:

Quando escrevi este poema tinha na cabeça a imagem de um "lixão" em plena atividade. Pessoas (ou quase pesssoas) disputavam centímetro a centímetro do lixo que o caminhão da prefeitura acabara de despejar... A maioria dos que o leram na época sequer aventou a hipótese de que não fosse apenas um jogo de palavras, mas uma sincera e humana indignação contra tanta inumanidade!

Poeteiro
Enviado por Poeteiro em 08/10/2005
Código do texto: T57898