Canciones Brasiles

Depois de um tempo sem poetar

Tomo tua pena de empréstimo

E tendo a esperança por laurel

Volto a gritar o meu brado, na terra onde reina Ismael.

E ora torno a protestar como dantes...

Só que dantes, cantei a miséria escrava,

E ora, cantarei uma miséria que muito dói e muito grassa,

Que observo nos campos, nos guetos; nas ruas e também pelas praças.

Fome, ó fome! Teus tentáculos,

Quais os da Hidra de Lerna, cingem num amplexo dorido,

Infortunados filhos da pobreza...

Largados na vida, ante o olhar da nobreza.

Nobreza, da qual só consigo sentir dó,

Porque, distante do real, imersa em seu asco,

Qual Tristão de Ataíde,

Com olhar de desprezo: - mata; fere; agride.

Nobreza, comprometida com o nada,

Que habita castelos inócuos,

Que desconhece Platão e Plotino discorrendo sobre o Ser...

Por isso perde-se pela vida, na busca do ter.

Nobreza! Árvore inerte, sem fruto; sem flor.

Lânguida filha da mãe avareza,

De alma pobre e glacial

Vida vã; vida vil sob os auspícios do mal.

Assim, se dantes vi o negrinho esquálido,

Sugando as secas tetas maternas,

Hoje, vejo nos guetos, velhos, jovens e crianças,

Num estertório de horror, clamando ao nada, cheios de esperança.

Que um dia, desça um anjo do Céu,

E assuma o poder temporário da Terra,

E transforme a pedra dura; - o coração,

Em vasilhas abarrotadas de mel e cestos cheios de pão.

Mas, até que este anjo aqui aporte,

Não posso calar minha voz, ante este gládio que me dói,

E solto o meu grito ao Infinito...

Pai! Desce de Tua Glória; socorre esses pobres aflitos.

Vede ó Pai Grandioso! Vede esta cena tão tétrica

Nos terreiros de minha Terra Bahia,

Mães esquálidas recorrem a dispensa; recorrem o armário,

Vazios e sem nada, com lágrimas nos olhos, fitam o zimbório.

E, como se Te visse naquele, retira duas lágrimas dos olhos,

E ouvindo o Mestre alvitrar: ‘’Bem aventurados os aflitos...’’

Dedica-Te, suas lágrimas, como óbulo

E de Te, em resposta, sente um ósculo.

Não apenas na Bahia, meu Pai. Olhai também por todo o Nordeste!

Por quê tanta fome meu Pai, seria isso uma peste?

Que os imundos e nojentos políticos,

Usam como mote em grande bazófia e reboliço?

Acolá, coração paterno, álgido de dor,

Põe a mão nos ouvidos pra não ouvir os clamores,

De oito rebentos descarnados, e, nos catres largados,

E chora o mais triste dos choros, nunca dantes chorado.

Pai! Por quê o humano terreno é assim?

Ele estando bem, jamais se importa com o irmão?

Diferente de outras plagas que em Tua casa conheci,

A lei desta Terra é: - cada um só por si.

Não me responda meu Pai, que já sei Tua resposta.

Mas, é que nesta minha ode, não me dirijo à Ti,

Antes, num desespero, usando-Te em metáfora, tento fazer do egoísmo,

Coisa do passado, e, em seu lugar, nascer o altruísmo.

Ó minha Terra; ó meu Brasil!

Tu que em um passado glorioso me incendiou o coração.

Lutai contra esta droga letal que deixa o teu filho insone,

Uni-vos povo brasileiro! Uni-vos e exterminai a tal fome!

Antonio Rey

Antonio Rey
Enviado por Antonio Rey em 30/07/2007
Código do texto: T585328