Ensaio sobre os miseráveis de Victor Hugo

I.

Fui condenado por sentir fome, matei em busca de comida

Fui preso, açoitado, humilhado, tratado como um verme

Rastejei pelos esgotos de tortura, nas prisões de suicídios

Me deixaram cego, mudo, surdo, podre e nu

Entre as paredes da desgraça, na cela do desespero, eu odiei o mundo

Senti aversão por todos os ricos e poderosos

Que podem comprar momentos de felicidade

Que podem comprar mulheres que o façam feliz, na hora que quiser

Que podem sentir os prazeres dos sentidos, pois são donos do tempo

As telas que vejo são a miséria dos farrapos mundos, as feridas supurando

Os manjares que me deleito são sopa de baratas e vermes

Os perfumes que cheiro são os excrementos meus e dos colegas de cela

As sinfonias são gritos de dor, de horror, os palavrões de ódio e vingança

Os orgasmos que sinto são de minha carne devorando minha alma

Estou condenado à prisão perpétua, sem direito a bons advogados

E aqui a justiça é amiga do dinheiro, irmã da influência

II.

Consegui fugir das grades que me condenaram ao ódio perpétuo

Tive de matar guardas para escapar. É a lei da selva humana

Sobrevivem os mais fortes, espertos e capazes

No caminho, um homem mentiu para me ajudar a ser livre

Eu lhe bati como a um cão, mas ele me perdoou e me ajudou outra vez

Quis me ensinar a ser bom

Troquei, então, minha liberdade pelo ideal de ser bom

Me fiz homem rico e procurei ser justo

Mas prendi minha filha dentro das grades de meu lar

Não permiti que sua paixão aflorasse como primavera

Me fiz inverno de amargura e sequei suas flores de adolescência

Mas ela lutou e amou como amam os prisioneiros

Que amam a luz do sol e o canto dos pássaros, e sonham voar

Ela se enamorou de um revolucionário

Que lutava contra o governo que me condenou

Eu não entendi o caminho da redenção e da paz

Que muitas vezes nasce de guerra, da mudança, do novo

III.

Iam condenar um inocente, alegando que tal vagabundo louco seria eu

Não suportei os ventos da injustiça criando seus vendavais

Entreguei-me às garras da justiça, de qual fugira como um lunático

Pelo bem de um Ser Humano tratado como um verme, como eu já fora

Dei liberdade para minha filha voar pelos campos da paixão

Filha esta me entregue por uma prostituta sem lar, sem emprego, sem chance

Que morreu por tentar dar uma vida digna ao seu rebento

Meu algoz que tanto queria minha dor

Que me perseguiu como um cavalo galopando pelos abismos das tempestades

Conseguiu enjaular a mim, bicho se afogando, em busca de ar

Mas no instante do golpe de misericórdia

Não me matou. Matou a si próprio e me libertou

A renovação se consumou

Audsandro do Nascimento Oliveira
Enviado por Audsandro do Nascimento Oliveira em 29/01/2019
Reeditado em 05/04/2020
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