Sem pão, sem manteiga e com a noite por teto
A caminho da padaria, agora de tarde,
fui parado por um cara numa bicicleta.
Hei, boa tarde, você conhece Onofre
que tem um lugar para dormir por aqui?
Na hora pensei, meu Deus, de novo isso?
E essa cara de coitado? É este o meu teste?
Não, não conheço ninguém
com esse nome por aqui, respondi e segui.
Ao voltar com meu pão quentinho
vi o cara entrar na rua da papelaria La Bruna
depois sair e entrar na rua dos fundos
do mercado, depois na rua detrás da padaria
enquanto, acima de nós, a alta noite se anunciava
e preparava sono, pesadelos e sonhos.
À medida em que pensava na manteiga derretida no pão
a opacidade do destino embaçou meu pensamento:
pensei que além de não ter pão, nem manteiga
talvez aquele cara não encontrasse mesmo lugar
para dormir, chuveiro para um banho,
cueca limpa e ventilador para esta noite tórrida
de final de verão, esta que, para o bem e para o mal,
seria seu teto hoje.
Meu Deus, com esquecer aquela cara de coitado?
E pior: o coitado é fudido,
derrotado e brasileiro que nem eu.