EM MEMÓRIA A PAULINO GAUJAJARA E A TODOS OS INDÍGENAS ASSASSINADOS

Chega um tempo em que um sorriso é provocação

E velhos conhecidos dobram a esquina para não se encontrar

Tempo em que ter razão é um dever

E o sangue que corre já não tem mais importância

Desde que não seja o seu.

Chega um tempo em que o ódio é uma bandeira

Costurada por mãos inconscientes

E as pessoas adotam gritos de guerra

Com a fé de orações.

Chega um tempo em que a morte não assombra

Porque o que vale é o poder da bala

Tempo em que a palavra justiça incomoda

Porque remete a histórias antigas

Que se quer esquecer.

Chega um tempo em que os ombros

não suportam mais o mundo

Tempo em que quem veste outra camisa é abominação

E a floresta não tem mais guardião

Tempo de guardar segredos e revelar intolerâncias.

Chega um tempo em que os homens

Reivindicam a propriedade exclusiva de Deus

E o pintam com suas cores

Tempo em que pensar diferente é blasfêmia.

Chega um tempo em que amor é para os fracos

Em que o rancor é uma ordem

Tempo de se contar os mortos

Com a mesma naturalidade de se contar vivos.

Chega um tempo em que a terra não é mais demarcada

E crimes são legitimados

Sob o pretexto de reerguer uma nação

E nessa cruel inversão

É mesmo um tempo de terror

Em que nosso irmão virou inimigo

E um mito é visto como salvador.