Entroncamento

Entroncamento

Alexandre Santos

Alegrem-se. O vermelho está de volta.

Já é possível adiar a revolta.

Mais uma vez, esperança de ganhar a vida.

Nova chance de um prato de comida.

A turba avança.

Pouco na cabeça e nada na pança.

Na romaria dos deserdados, cegos e aleijados.

Correria de mendigos e desempregados.

Cada um no seu lugar.

Cada um na sua vez.

Cada qual com seu talento,

História e sofrimento.

O surdo-mudo mercador.

Corre contra o fluxo. Corre contra o tempo.

Flanela no retrovisor.

Cabide de choro e lamento.

Sem saber o que é infância,

a criança na janela fechada

confronta o prisioneiro da ignorância.

Sonha uma moeda. Uma lufada gelada.

Já cansado, com o corpo moído,

o menino-pedinte distribui o papel encardido.

‘Não roubo, nem cheiro cola’.

Mensagem clara a quem nada controla.

Surge um malabarista na ribalta.

Um mestre que faz girar bastões incandescentes.

Cena rápida que vai e volta.

Cena rápida do artista impaciente.

Sem aviso ou encomenda,

o rapaz tenta a prenda.

Um esguicho, um pára-brisa.

O tostão que escandaliza.

A moça solta a propaganda.

Apartamentos com suíte e varanda.

Luta para sobreviver,

Sonho que nunca vai ter.

O ambulante sorridente.

Circula gentil e sedutor.

Fruta reluzente.

Duvidável qualidade e sabor.

O mendigo diabético.

Lento, cego e purulento.

Cético, torce por um gesto ético

do nojento que o faz violento.

Faina renhida de prêmio e castigo.

Indiferença de quem só vê o próprio umbigo.

Susto em quem trava a porta e ri.

Uma moeda aqui, outra ali.

O tempo se foi. Fim de jornada.

Um ronco. Volta à calçada.

Carros levam a vida.

Desemprego de quem não tem guarida.

Sem ocupação,

miseráveis voltam a pensar na revolução.

Mas, o vermelho voltará.

E tudo recomeçará.

(*) Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural