POESIA HEREDITÁRIA

Na paragem em que me vejo

Entregam-se os cantos vastos

Que chegam em rimas azuis

Hereditária poética dos astros

Talvez haja um verso de Lorca

Por ribeirinhos, libélulas e flores

Estames fertilizados pela grave

Guerra civil, cindidos os amores

Ou talvez desate a trova de Neruda

Espinha dorsal da muralha Andes

Com nossos ameríndios, camponeses

E as nuvens que em mim esconde

Ou para os tempos da revolução

A voz de Mayakoviski desfruta

O lado demiurgo do meu coração

Como eco a ressoar a ira da luta

E talvez lampeje em mim, Whitmam

Amor diverso com os semelhantes

Aprendendo que o mundo é pequeno

E para a paz humana nada é distante

Mas nestes mares onde vagueio

Vicejam no papel todas as matrizes

Coloridas, os diversos hinos distantes

Fluem sem tréguas com outras raízes

E assim haverá as vozes românticas

De Gonçalves, Bilac, Castro Alves

Fundando o marco da brasilidade

Em projetos dos poetas audazes

Mas os que mais me arderam de morte

com os olhares enviesadas aos deuses

os Andrades, Bandeira, Pagu e Cassiano

Deixaram caóticos voos em versos meus

E num corte humilde mas profundo

Há a dramaticidade do menino Drummond

Olhar mineiro e paciente que vai ao mundo

Logo nos garante os tempos futuros

Talvez o grito lúcido de Moacyr Félix

Cultivará em mim a música libertária

Para que se reforce o amor a destruir

O opressivo furto à vida operária

Ou talvez há o fino amante Vinícius

Em sonetos possa estar anunciado

Um operário que se fez agente

No país negro, pobre e vilipendiado

Talvez haja a voz de Thiago de Mello

Numa amazônica ária de rios, bichos,

Homens ribeirinhos, matas em vermelho

A desnudarem o criminoso incêndio

Ou já nos contam os versos de Gullar

Que noite adentro, do longo frio soergueu

Estórias do açúcar, das ruas e do luar

Que apascentaram quem na ditadura sofreu

Mais forte é a cantata de João Cabral

Que do nordeste vibrou a brava Espanha

Mesmo como Severino de sorte fatal

Serviu ao justo nas quadras que declama

Ou talvez nos pergunte Leminski

Qual contracanto queremos assumir

Se desejamos mesmo viver e amar

A lírica haicaiana pra tudo desconstruir

Ou talvez possa responder a Cecília

Que nos atiça o sonho da liberdade

Nas Minas, pedras da inconfidência

Ou na morada inebriada do instante

Ou surge o discurso exotérico de Hilda

Que se apaixona pelo homem fraco

Queimando-se em desvarios assumida

Em plena consciência do amor dado

Ou devo admirar o Afonso Romano

Que sagas viveu nos enfrentamentos

Aos atos fálicos de todo ser humano

Pelo poder, estigmas e vil sofrimentos

Ou a lírica feminina na bela Roseana

Que se impõe a saudar o amor vívido

Águas profundas: mar, rios e laguna

Fertilizam sanha em todos os sentidos

Ou por fim, nesta poesia hereditária

Há cantos que movem a emoção

Nas letras que de forma literária

Vão rasgando o nosso coração:

Cantem alto Aldir Blanc, Paulo Sérgio,

Victor Martins ou Fernando Brandt,

Pois as canções removem o mistério

De um país em Cristo, Eros e Iansã