Rapariga de Miramar

Eu vejo quando tu passas,

Em vagaroso bailar,

Não parece que tens pressa,

Ou compromisso urgente,

Aproveitas a tarde morna,

De um dia que foi quente,

Não tens o corpo dourado,

Tens outros predicados,

Não usas tanga de Lycra,

Teu vestido estampado,

Traz as cores de tua Pátria,

És filha de Quimbundos,

Muitos foram pr’outros mundos;

Noutros mundos desde outr`ora, se puseram a gerar,

Quem saberá agora,

Quantos parentes tens lá,

Misturados a outras cores,

Vermelhos, amarelos,

Mestiços, alvos,

A civilizar bárbaros partiram,

Livres, cativos,

Além-mar paristes,

Tesouros que hoje cantam,

Noutras línguas, noutros lugares;

Rapariga de Miramar,

Doaste teus genes gemendo de dor e prazer,

Gerastes filhos que sequer pudestes ver,

Uns natimortos, outros mortos ao nascer,

Mas não poucos sobreviveram,

A encantar os poetas embriagados,

Que nem de longe se lembram de ti,

Ao ver passar um corpo dourado.

Em homenagem à minha bisavó Valentina que viveu estas agruras e às mulheres negras de todos os lugares.

vocabulário:

rapariga: menina moça

Miramar: bairro de Luanda-Angola

Lycra: tecido sintético

Raul Correa Barcelar
Enviado por Raul Correa Barcelar em 20/11/2020
Código do texto: T7115871
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