Mera atriz
Na agonia do desamor
no silêncio da própria dor
ela entrega a flor devassa
que seduz e faz pirraça.
Vende o que lhe é caro
prende-se ao pouco que tem
um corpo, um ardil, seu vintém
deixa transbordar a taça
do vinho que não vem de graça
e doa à um Zé ninguém.
Seu nome não tem valia
Rosa, margarida, Rosa Maria,
muitas vezes nem nome tem
de tão longe que passa
sua origem, sua raça.
Na dignidade arrancada
deixou rolar à calçada
o pouco que a vida lhe deu.
Ganha de outro sujeito,
feito favor, ou esmola
uma marca, uma sina
Margôt, Lolita, Rosita,
marcas que a aranha da vida
em duras pernadas teceu.
São meninas arrancadas
compradas, surrupiadas
trocadas por alimento
por um mísero sustento
que o "dotô" prometeu.
Filhas não menos amadas
mas que nasceram fadadas
a salvar a lavoura perdida
redimir os pecados da vida
que o nosso bom Deus esqueceu.
São filhas desnaturadas
de berço fino e origem
que brincando nas calçadas
de alamedas floridas
conhecem da vida as malícias.
Sabem enredar e render
sabem seduzir, envolver
jogam na lama a familia
no lixo a origem fina
na cama a flor de menina
que agora já floresceu.
Deixam de ser bonequinhas
de louça ou porcelana
viram bonecas de luxo
adorno , enfeite de cama.
São meninas mal amadas
filhas de causas perdidas
restos de uma vida
que o mundo inteiro esqueceu.
Sobem e descem ladeiras
morros e ribanceiras
entre facas e navalhas
entre rajadas de balas
perdidas em meio ao nada
que a vida ofereceu.
Que seja feita a vontade
ou que se cumpra o destino.
Que a vida da mera atriz
que encena seus devaneios
na cama, no chão,e na raça,
deixe transbordar a taça.
E que a meretriz se faça.
Melhor que seja o que for,
do que secar sem amor.