Apocalipse: Alegoria fúnebre
O sino da catedral palpita a anunciação mais funda do medo; as ruas tremem, uníssonas.
E o mundo permanece opaco sob a sinalização da missa mortal.
Os vitrais do mosteiro em São Bento
colorem o obscurantismo com a luminosidade da razão, mas a luz sofre espasmos dogmáticos e escorre na mais lúgubre escuridão.
Uma doença se alastra pelo mundo;
E a flor da morte cresce no solo estéril da ignorância enquanto a urina rega a miséria presa no asfalto.
Os pombos sobrevoam a degradação das ruas enquanto se alimentam do desespero urbano; e por conseguinte fazem toca nas neuroses do ser humano.
O metrô adentra o silêncio sufocado por trás das máscaras em cada rosto. E os passageiros morrem todos aglomerados a fitar a fome no túnel da existência, buscando alguma luz no negrume infindável do país.
No intervalo entre cada estação, um suicida se lança aos trilhos, almejando fragmentar a dor que já impregnava a totalidade de sua epiderme.
A interrupção da viagem tem certa dramaturgia colérica e faz os sobreviventes arfarem na mais úmida impaciência desumana.
Pensamentos sofrem baldeações,
e pousam em todas as multidões compactas numa eterna claustrofobia coletiva.
Notícias transitam os cemitérios
lotados, e a terra sob os nossos pés sente náusea de tanto engolir seus filhos prematuros.
Na Sé os vagões se abrem;
as súplicas rasgam os céus
E os cânticos fúnebres penetram a sujeira.
Na praça os livros são queimados;
E os professores apedrejados.
Todos clamam pelo messias da desolação.
A mídia amansa a rebeldia em cada um; e a multidão permanece apática e desconsolada, como uma gárgula petrificada no culto da morte.
O sangue tinge as ruas de vermelho;
e há quem chame de comunismo a torrente humana que escorre de nossas feridas tão vivas.
Sob o silêncio muitos se enterram
a sorver a flor utópica da esperança,
pois nunca lhes ensinaram a plantar a revolta sobre o entulho.
- Letícia Sales
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